G.R.E.S. Unidos de Vila Margarida, a escola de samba que perdeu o morro. Cap 11 (Final) Enfim, o campeonato!

  Em 2022, Mário Silva, agora um figurinista consagrado no teatro e na televisão, retornou ao Rio de Janeiro com o brilho de quem nunca esqueceu suas raízes na Vila Margarida. Após anos dividindo sua vida entre São Paulo e incursões pelo mundo artístico, ele aceitou o convite da Unidos de Vila Margarida para reassumir o posto de carnavalesco, trazendo um enredo ousado e cheio de camadas históricas: “Tião Galinha: De Capitão do Mato ao Fidalgo de Cabo Verde”. O enredo contava a trajetória de Tião Galinha, uma figura controversa dos anos 1840/1860, que começou como escravo delator, caçando fugitivos para os senhores de engenho, mas, por uma reviravolta do destino, tornou-se um nobre fidalgo em Cabo Verde, e que viu seu filho, Felipe, ser ordenado como o primeiro bispo negro de Portugal.
     Mário via no enredo uma chance de explorar as complexidades da história afro-brasileira, com suas dores, contradições e redenções, refletindo a própria jornada da Vila Margarida. A escolha mais inusitada — e provocadora — de Mário foi escalar Geraldo Quebra Galho, o patrono da escola, como destaque no carro alegórico principal, representando Tião Galinha. O detalhe picante era que Geraldo, conhecido por sua ligação com a umbanda e a quimbanda, dizia ter o “corpo fechado” por Tião Galinha, entidade que ele reverenciava como um Exu de quimbanda. Mário, com seu humor afiado e senso de narrativa, achou que a coincidência era perfeita. “Geraldo, tu já carrega o Tião Galinha na tua proteção. Agora vai carregar ele na Sapucaí!”, brincou Mário, enquanto mostrava os esboços da fantasia, uma mistura de trajes coloniais com elementos afro, como correntes quebradas e uma capa vermelho-sangue que evocava tanto o poder quanto a redenção. Geraldo, inicialmente relutante, riu alto, mas hesitou. “Mário, tu tá louco? Eu, no carro, fazendo Exu na avenida?” Ele sabia que a escolha podia gerar polêmica, tanto pela figura histórica controversa quanto pela ligação espiritual. Para garantir que a homenagem fosse respeitosa, Geraldo foi ao terreiro de Mãe Zefa, uma ialorixá respeitada na Vila Margarida, que há anos guiava a comunidade com sabedoria. Chegando lá, ele encontrou Mãe Zefa já incorporada por Tião Galinha, o Exu que, segundo a tradição, protegia Geraldo. Com uma risada grave e um olhar penetrante, a entidade falou através de Mãe Zefa: “Pode subir no carro, meu filho. Conta minha história direito, que eu te guardo na avenida como guardo no morro.” Geraldo, impressionado, aceitou a missão, sentindo que a bênção de Tião Galinha dava um peso espiritual ao desfile. Orientado por Mãe Zefa, Geraldo fez todo o ritual de renovação de fechamento de corpo e deu as devidas oferendas a Exu e à entidade Tião Galinha.
       A preparação para o carnaval foi um retorno às origens da Vila Margarida. Mário, com o apoio de Conceição, Tião e Marrequinho, trouxe de volta a essência comunitária. Maria Luzia e as costureiras da vila voltaram a costurar fantasias, misturando retalhos com os tecidos mais sofisticados que Geraldo financiava, mas agora o Ateliê Arco-Íris interagia com as costureiras comunitárias, ensinado técnicas desconhecidas pelas meninas, um feito para a comunidade.
    Seu Antônio, agora mais velho, supervisionava os carros alegóricos, enquanto Chiquinho Babadeiro, reintegrado como destaque, ajudava os rapazes alegres a criar adereços. O enredo, dividido em setores, narrava a transformação de Tião Galinha: do peso das correntes como capitão do mato à sua redenção em Cabo Verde, culminando na ordenação de Felipe como bispo. Mário, com sua experiência teatral, trouxe uma narrativa visual poderosa, com carros alegóricos que evocavam senzala, navios negreiros e, por fim, a catedral de Cabo Verde, para onde Felipe foi transferido de Lisboa, com vitrais improvisados de acrílico colorido. Conceição, como rainha, desfilou com uma fantasia que representava as mulheres negras que resistiram na diáspora, com um vestido que mesclava chita e tecidos brilhantes, simbolizando a força da ancestralidade. Tião, na bateria, comandava um ritmo que misturava toques de candomblé com o samba tradicional, dando ao desfile uma cadência única. Marrequinho, como diretor de harmonia, garantia que cada ala contasse a história com emoção. E Geraldo, no carro principal, surpreendeu a todos: com sua fantasia imponente, ele não apenas representava Tião Galinha, mas parecia carregar a energia do Exu, com gestos que misturavam reverência e teatralidade.
     O desfile na Sapucaí, em 2022, foi um marco. A Unidos de Vila Margarida, com sua mistura de luxo e raiz, emocionou a avenida. O público vibrou com a narrativa ousada, que não escondia as contradições de Tião Galinha, mas celebrava a possibilidade de redenção. Os jurados, impressionados com a coesão do enredo e a força da comunidade, deram notas altas. Na apuração, a escola ficou em primeiro lugar, conquistando o título do Grupo Especial pela primeira vez.
      A Vila Margarida explodiu em festa, com o campinho lotado e a quadra de mármore, pela primeira vez em anos, tomada pelos moradores do morro. Após o desfile, Mário, Conceição, Tião, Marrequinho e Chiquinho se reuniram no campinho, sob o poste torto. Geraldo, ainda com resquícios da maquiagem da fantasia, se juntou a eles, com uma cerveja na mão. “Vocês me ensinaram que samba é mais que dinheiro. É história, é morro”, disse ele, com um raro tom de humildade. Conceição, sorrindo, respondeu: “E tu aprendeu direitinho, Geraldo. O Tião Galinha te abençoou, mas quem fez esse carnaval foi a vila.” Mário, com seu inseparável laptop  já aberto para o próximo ano, completou: “E a Vila Margarida sempre vai contar as histórias que ninguém ousa contar.”
     A vitória de 2022 foi mais que um título — foi a prova de que a escola, reconquistada pelo morro, podia brilhar na Sapucaí sem perder sua alma. Mário Silva, com seu enredo inusitado, e a comunidade, com seu samba de resistência, mostraram que a Vila Margarida era, acima de tudo, um lugar de histórias, lutas e redenções, como a de Tião Galinha — e, quem sabe, a do próprio Geraldo Quebra Galho. 
    Fim...ou até o próximo carnaval...

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