G.R.E.S. Unidos de Vila Margarida, a escola de samba que perdeu o morro. Cap 8 - Enfim, para a escola o Grupo Especial e para a Vila Margarida o samba do morro.

  Em 2010, a Unidos de Vila Margarida chegou ao auge de sua trajetória, estreando no Grupo Especial na Marquês de Sapucaí. Sob o comando de Geraldo Quebra Galho e a batuta do carnavalesco Milton Magalhães, a escola desfilou com um luxo que chocou até os mais acostumados com o brilho da avenida. Carros alegóricos imponentes, cobertos de luzes, plumas e efeitos especiais, e fantasias reluzentes do Ateliê do Arco-Íris transformaram a Vila Margarida numa vitrine de opulência. A quadra de mármore lotava com novos componentes da classe média, muitos sem laços com a comunidade, atraídos pela exposição na TV Globo. Roberta, a rainha dos destaques, brilhava à frente, enquanto Luiz Estevão, o diretor de harmonia, regia tudo com precisão fria. A escola terminou o desfile em terceiro lugar, um feito impressionante para uma estreante no Especial, mas que ecoava como um vazio para os moradores mais humildes da Vila Margarida.
   Nos barracos mais pobres do morro, onde o chão era de terra e as paredes de madeira rangiam com o vento, a comunidade original da escola assistia à transmissão da Sapucaí com um misto de orgulho distante e tristeza profunda. A Unidos de Vila Margarida, que nascera dos sonhos de Tião, Conceição e seus vizinhos, agora parecia pertencer a outro mundo. “Aquilo lá não é nossa vila”, murmurava Dona Benedita, enquanto servia café numa caneca amassada, com os olhos fixos na TV. Maria Luzia, que não tocava uma agulha para a escola desde o ano anterior, guardava silêncio, com suas mãos calejadas cruzadas no colo. Manoel Marrequinho, rebaixado a subalterno, nem apareceu na quadra para assistir ao desfile. Mas o samba, que sempre foi resistência, não morreu. Tião, com seu surdo e seu apito, recusou-se a deixar a alma da vila ser apagada. Junto com Conceição, Chiquinho Babadeiro e os “rapazes alegres” que haviam sido alijados da escola, ele organizou um bloco de sujo, batizado de “Bloco da Vila Verdadeira”. Centenas de moradores dos barracos mais pobres se juntaram, desfilando pelas vielas do morro com fantasias improvisadas de retalhos, plásticos e enfeites reciclados, como nos primeiros anos da escola. Conceição, mais uma vez rainha, sambava com uma saia de chita e uma coroa feita de papel crepom, sua energia negra retinta iluminando o morro. Chiquinho, que chorara na quadra no ano anterior, voltou a sorrir, vestindo uma fantasia que ele mesmo costurou, cheia de penas improvisadas. Os rapazes alegres, com sua criatividade sem limites, criaram adereços em homenagem a Mário Silva, o menino da vila que agora brilhava como figurinista de teatro em São Paulo. O enredo do bloco era simples, mas carregado de emoção: uma homenagem a Mário Silva, que nunca esquecera suas raízes. “Ele tá lá em São Paulo, mas o coração dele tá aqui, no morro”, disse Conceição, enquanto segurava uma faixa com o nome do jovem.
    Mário, que soubera do bloco por uma carta de Caribé, enviou uma mensagem à vila: “Vocês são meu samba, minha inspiração. A Vila Margarida vive em mim.” As palavras foram lidas no campinho, sob o poste torto, antes do desfile do bloco, arrancando lágrimas e aplausos. Enquanto a Sapucaí vibrava com o luxo da Unidos de Vila Margarida, o Bloco da Vila Verdadeira tomava as vielas do morro com um samba puro, tocado em latas, tonéis e tamborins remendados. Tião comandava a bateria com a mesma paixão dos primeiros ensaios, e Conceição, com sua ginga inconfundível, fazia o morro dançar. “Isso aqui é a nossa Sapucaí!”, gritava ela, enquanto crianças descalças e avós com cadeiras na calçada se juntavam ao cortejo. Chiquinho, sambando ao lado dos amigos, ergueu uma bandeira improvisada com o desenho de um carro alegórico de Mário. “Por você, Mário Silva!”, exclamou, com a voz embargada. O bloco não tinha câmeras da Globo, nem prêmios, nem mármore. Mas tinha alma.
   Enquanto a escola oficial celebrava o terceiro lugar na Sapucaí, com Geraldo brindando com champanhe e Milton Magalhães posando para fotos, a Vila Margarida verdadeira sambava no morro, reafirmando sua história. Tião e Conceição, de mãos dadas no fim do desfile, olharam para o céu estrelado. “A gente perdeu a escola, Tião, mas não perdeu o samba”, disse ela. Tião, com um sorriso cansado, respondeu: “O samba é nosso, Conceição. E ninguém tira o que é da vila.” Mário Silva, em São Paulo, assistiu a um vídeo do bloco enviado por um amigo. Com lágrimas nos olhos, ele pegou seu caderno e começou a desenhar uma nova fantasia, inspirada no morro, na luta e no amor da Vila Margarida. A escola podia estar na Sapucaí, mas o coração da comunidade batia nas vielas, onde o samba ainda era livre

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