G.R.E.S. Unidos de Vila Margarida, a escola de samba que perdeu o morro. Cap 9 - O morro se rebela e toma as rédeas do samba. O bloco se manifesta.
Em 2010, enquanto a Unidos de Vila Margarida brilhava na Sapucaí, consolidada no Grupo Especial com o luxo
financiado por Geraldo Quebra Galho, a verdadeira alma da comunidade pulsava no alto do morro. Numa quadra
improvisada, montada com tábuas e lonas no campinho sob o velho poste torto, os moradores mais humildes da
Vila Margarida organizaram uma festa para homenagear Manoel Marrequinho, o diretor de harmonia que carregara
a escola desde seus primeiros passos. Cada família levava o que podia: uma panela de feijoada, um prato de
bolinhos, uma garrafa de cachaça, um engradado de cervejas ou refrigerante. Conceição, com sua energia de rainha, comandava a
organização, enquanto Tião, com o surdo ao lado, animava a roda de samba com os ritmistas antigos. “Hoje é por
você, Marrequinho! Você é a nossa história!”, exclamou Conceição, erguendo um copo de cerveja em direção ao
homenageado, que, emocionado, enxugava as lágrimas com a manga da camisa.
Marrequinho, que fora rebaixado a subalterno por Luiz Estevão, sorria com uma mistura de orgulho e saudade.
“Vocês são a minha Sapucaí. Isso aqui é a Vila Margarida que eu ajudei a construir”, disse ele, abraçando os
moradores que cantavam sambas antigos, daqueles primeiros ensaios no campinho. A festa, simples mas cheia de
calor, contrastava com a quadra de mármore no pé do morro, onde a classe média, agora dona do espaço,
celebrava a escola como um novo “brinquedo” da elite carioca. Dona Benedita, servindo feijoada na festa
improvisada, desabafou com Maria Luzia: “Lá embaixo tão sambando com dinheiro, mas aqui em cima é o samba
do coração.” Maria, com um sorriso triste, assentiu, segurando uma agulha que não usava mais para a escola.
Enquanto isso, em São Paulo, Mário Silva, agora um figurinista reconhecido no teatro, enviava cartas regulares para
Tião e Conceição, que o acolheram quando o pastor Ezequiel o expulsara de casa. Suas cartas vinham
acompanhadas de fotos: Mário no palco de um teatro lotado, recebendo aplausos, ou ao lado de atores com
figurinos desenhados por ele. Numa delas, ele escreveu:
"Queridos Tião e Conceição,
Aqui em São Paulo, o teatro me abraçou, mas o coração tá aí, na Vila Margarida. Vi as fotos do Bloco da
Vila Verdadeira e chorei de orgulho. O Samba do Morro é a verdadeira escola, a que me ensinou a sonhar.
Nunca esqueço de vocês. Um dia, volto pra sambar na pracinha.
Com amor,
Mário Silva"
Conceição lia as cartas em voz alta no barraco, com Tião ao lado, sorrindo. “Esse menino voou, mas não esqueceu o
ninho”, dizia ele, enquanto guardava as fotos num álbum velho. Mas, no fundo, o casal sentia o peso da
transformação da escola.
Geraldo Quebra Galho, agora entranhado no comando, transformara a Unidos de Vila
Margarida numa extensão de sua família. Seus filhos e sobrinhos ocupavam cargos na diretoria, e o dinheiro do
bicho fluía para manter a escola no topo do Grupo Especial. A quadra de mármore, com seus banheiros de luxo, era
um símbolo de poder, mas também de distanciamento. Os moradores dos barracos mais pobres raramente pisavam
ali, sentindo-se estranhos em sua própria história.
O Bloco da Vila Verdadeira, no entanto, seguia vivo.
Em 2011, Manoel Marrequinho foi novamente homenageado,
dessa vez como enredo do bloco. As vielas do morro se encheram de fantasias improvisadas, com retalhos
costurados por Maria Luzia e as antigas costureiras, que voltaram a trabalhar para o bloco. Conceição, rainha do
cortejo, sambava com uma faixa que dizia “Marrequinho, o coração da vila”. Tião, na bateria, comandava os
tamborins e latas com a mesma paixão dos primeiros dias. O bloco, sem câmeras ou prêmios, reuniu centenas de
moradores, que cantavam sambas em homenagem ao homem que nunca abandonou a comunidade.
Em 2012, o Bloco da Vila Verdadeira escolheu Chiquinho Babadeiro como homenageado. Chiquinho, que sofrera
com a humilhação de ser rebaixado a mero figurante no desfile de 2009, voltou a sambar com um sorriso largo. “Vocês me
trouxeram de volta pro samba!”, disse ele, enquanto ajudava os rapazes alegres a criar fantasias com plásticos e
penas recicladas. O enredo celebrava sua alegria e dedicação, com um carro alegórico improvisado que lembrava os
primeiros desfiles da escola. E, para surpresa de todos, Mário Silva voltou à Vila Margarida para o carnaval do bloco.
Agora um profissional consagrado, ele desceu do ônibus com seu caderno de desenhos e abraçou Conceição e Tião
com lágrimas nos olhos. “Eu disse que voltava pra sambar na pracinha”, brincou, enquanto vestia uma fantasia
simples, feita pelos moradores.
O desfile do bloco, em 2012, foi uma explosão de emoção. Chiquinho, no centro do cortejo, sambava com a energia
de seus dias de destaque. Conceição, com sua ginga inconfundível, liderava como rainha, e Mário, ao lado dos
rapazes alegres, carregava uma faixa com seu próprio desenho: um morro coberto de estrelas, com a frase “Vila
Margarida, o samba nunca morre”. Tião, na bateria, tocava com uma força que parecia sacudir o morro inteiro.
Enquanto a Sapucaí via a Unidos de Vila Margarida brilhar com o dinheiro de Geraldo, o morro celebrava sua
verdadeira essência.
Naquela noite, após o desfile, Mário sentou-se com Conceição e Tião no campinho. “A escola lá embaixo é deles
agora. Mas o bloco, o morro, isso é nosso”, disse ele, olhando o poste torto que ainda iluminava a vila. Conceição,
com um sorriso, respondeu: “Você é nosso orgulho, Mário. E o samba da Vila Margarida vive aqui, com a gente.”
Tião, com o surdo ao lado, completou: “E vai viver pra sempre, porque o samba não se vende.” A Vila Margarida,
dividida entre o luxo da Sapucaí e a alma do morro, seguia sambando, com o Bloco da Vila Verdadeira como seu
coração pulsante.
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