G.R.E.S. Unidos de Vila Margarida, a escola de samba que perdeu o morro. Cap 5 - A escola de samba ganha o patrono ( ou será o contrário? ).

    Para o carnaval de 2007, a Unidos de Vila Margarida entrou em uma nova era, impulsionada pela entrada de Geraldo Quebra Galho como patrono oficial. Com seu dinheiro vindo do jogo do bicho, ele não mediu esforços para transformar a escola. A quadra da vila, antes um espaço simples de terra batida no alto do morro, foi transferida para um terreno próximo à estrada principal e ganhou um piso de mármore reluzente e banheiros de luxo, com azulejos brilhantes que as senhoras da comunidade admiravam com espanto. “Parece coisa de novela!”, exclamava Dona Benedita, enquanto passava a mão no espelho do banheiro novo.
    A comunidade, antes tímida, passou a lotar os ensaios, com um orgulho renovado. Crianças corriam pela quadra, casais sambavam sob as luzes novas, e até os mais velhos, como Seu Antônio, apareciam para tomar uma cerveja e ver a escola ganhar vida. “Agora a Vila Margarida tem cara de grande escola!”, dizia ele, com um sorriso, enquanto batia o martelo em mais uma peça para o carro alegórico. Mariozinho, agora com 23 anos e cada vez mais confiante, chegava ao barracão com seu caderno repleto de desenhos para o carnaval de 2007. Seus esboços, inspirados pelas aulas na Escola Nacional de Belas Artes e pelos conselhos de Fernando Pamplona, traziam cores vibrantes e ideias ousadas para o enredo, que falava das riquezas culturais do Nordeste. Mas Geraldo, com seu jeito autoritário, jogou um balde de água fria no jovem. “Mario, tu é bom, mas é verde. Ainda tá cru pra Sapucaí. O Nilson Caribé vai ser nosso carnavalesco e vai te lapidar, moleque!”, disse, com um tom que não admitia réplica.
     Mariozinho, que sonhava em assinar o carnaval, baixou a cabeça, sentindo o peso daquelas palavras. Por sorte, Nilson Caribé, um carnavalesco renomado e conhecido por sua humildade, viu o talento do rapaz. Num canto do barracão, enquanto Geraldo se distraía com telefonemas, Caribé puxou Mariozinho para o lado. “Menino, desenha o teu carnaval como tu sonha. Eu só assino, e o Geraldo nem vai saber. Tua alma tá nisso, e é isso que faz um carnaval de verdade.” Mariozinho, com os olhos brilhando, apertou a mão de Caribé. “O senhor confia em mim mesmo?” Caribé riu. “Confio, Mário Silva. E tu vai ser grande, anota o que eu te digo e para de se chamar Mariozinho, tu agora é carnavalesco.”
   Conceição, sempre atenta, observava as mudanças com um misto de orgulho e preocupação. Numa noite, enquanto Tião afinava os tamborins no campinho, ela desabafou: “Tião, tá vendo isso? Quadra de mármore, carnavalesco famoso… O Caribé é pé no chão, um amor de pessoa, mas e se vier outro cheio de arrogância, tipo o Milton Magalhães? A escola tá começando a mudar, e eu não sei se é pra melhor.” Tião, com o apito na mão, olhou para a esposa. “É o preço do crescimento, meu amor. Mas a alma da Vila Margarida é nossa. Geraldo pode trazer dinheiro, mas quem samba é a gente.” Com o apoio de Caribé e os desenhos de Mariozinho, a Unidos de Vila Margarida preparou um carnaval inesquecível. Os dois carros alegóricos, agora mais robustos, brilhavam com detalhes que misturavam a simplicidade da vila com a sofisticação dos esboços do jovem artista e como o regulamento permitia, a escola trouxe mais dois tripés, com movimentos, que fascinavam as arquibancadas na Intendente Magalhães. As fantasias, costuradas por Maria Luzia e sua equipe, tinham plumas, bordados e um colorido que lembrava as feiras nordestinas. Conceição, como rainha, desfilava com uma fantasia que evocava Lampião e Maria Bonita, enquanto Chiquinho Babadeiro, no carro principal, como Rei do Maracatu, agitava a multidão. Tião, na bateria, comandava um ritmo tão potente que parecia fazer a Intendente Magalhães tremer, o samba vinha na boca do povo da Vila Margarida, que desceu em peso.
   Veio a apuração.  O resultado foi uma explosão de alegria: a Unidos de Vila Margarida venceu o Grupo B, garantindo a subida para o Grupo A, enfim a Marquês de Sapucaí era a realidade da escola. A vila inteira virou uma festa, com fogos improvisados e samba até o amanhecer. “A gente tá na Sapucaí, Conceição!”, gritava Tião, enquanto abraçava a esposa no meio da quadra. Mas, nos bastidores, as mudanças continuavam, Geraldo Quebra Galho percorria as quadras das co-irmãs mais famosas e ficava de olho em quem levar para a Vila Margarida. Nilsinho Diamante e Mariazinha Festeira, que desde a fundação levavam com orgulho o pavilhão da Vila Margarida, agora eram trocados por Fernandinho Figueiredo e Cassiane Nascimento, casal que despontava como o segundo da Portela e era levado para a Vila Margarida como principal. "É...vou para as baianas", resignava-se Mariazinha, consolada por Conceição, "A Vila vai sempre ter lugar pra ti, Mariazinha!"
  . Nilson Caribé, impressionado com o talento de Mariozinho, começou a levá-lo para outras quadras, apresentando-o como uma promessa do carnaval. “Este aqui é o futuro: Mário Silva, o rapaz que mudou a pequena Vila Margarida!”, dizia Caribé, com orgulho, nas quadras da Mangueira, do Salgueiro e até da Beija-Flor. Mariozinho, agora chamado de Mário Silva, sentia o peso e a honra daquele nome Com o dinheiro do prêmio da vitória e um bônus generoso de Geraldo, Mário alugou um quartinho próprio em Madureira e largava o supermercado onde trabalhava, passando a trabalhar com teatro e televisão. Mariozinho ia deixando o barraco de Conceição e Tião. Quando Conceição se despediu do jovem, seus olhos marejaram. “Perdemos o garoto, Tião… Foi seduzido pelo bicho!”, disse ela, com um tom que misturava saudade e preocupação. Tião, sempre sábio, riu e apertou a mão dela. “Ele vai voar, Conceição. Um Beija-Flor sempre voa. O Mário é da vila, mas agora o mundo tá chamando ele.”
    A Unidos de Vila Margarida, com sua quadra de mármore e seu samba de raiz, estava pronta para o Grupo A. Mas, enquanto a comunidade celebrava, pairava no ar a sensação de que a escola, aos poucos, estava se transformando em algo maior — e talvez menos seu. Mário Silva, com seu caderno de desenhos e o aval de Caribé, seguia sonhando, pronto para levar o nome da Vila Margarida para além dos morros, rumo à Sapucaí.

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