G.R.E.S. Unidos de Vila Margarida, a escola de samba que perdeu o morro. Cap 3 - O patrono bancava a festa.
Em 2003, a Unidos de Vila Margarida entrou na Estrada Intendente Magalhães com o peito inflado e o samba no pé.
Os carros alegóricos, ainda improvisados, mas caprichados com o talento de Mariozinho, brilhavam com uma
beleza simples e autêntica. Ele havia transformado paletes, lonas e enfeites reciclados em alegorias que contavam a
história da vila com orgulho. Mas o toque de glamour veio de um reforço inesperado: Chiquinho Babadeiro, um
destaque carismático da Mangueira, que trouxe uma fantasia antiga, reluzente de paetês verdes e dourados, e subiu
no carro principal como se fosse um rei. “Isso aqui é Vila Margarida, mas com jeito de Sapucaí!”, gritou Chiquinho,
equilibrado no topo do carro, enquanto acenava para a multidão. O público na Intendente vibrou, e os
componentes, com suas fantasias brancas e verdes, sambavam com uma energia que parecia incendiar a avenida.
O desfile, apesar de humilde, foi um sucesso. A Unidos de Vila Margarida ficou em 5º lugar, já no Grupo C, um feito
extraordinário para uma escola tão jovem e com tão poucos recursos. “Quinto lugar, Tião! A gente tá no caminho!”,
exclamou Conceição, abraçando o marido no campinho da vila após o resultado. Tião, com o apito pendurado no
pescoço, riu alto: “É só o começo, meu amor. A Vila Margarida vai voar!”
Enquanto a comunidade celebrava, uma mudança inesperada, para o carnaval de 2004, começou a tomar forma. Geraldo Quebra Galho, o
bicheiro que antes tratava a escola com desdém, passou a olhar a Unidos de Vila Margarida com outros olhos. Ele e
Seu Antônio, o carpinteiro, tinham uma história antiga: ambos vieram de Aracaju no mesmo ônibus caindo aos
pedaços, décadas atrás, sonhando com uma vida melhor no Rio. Sentado num bar da vila, tomando uma cerveja
gelada, Geraldo puxou conversa com Antônio. “Sabe, véio, eu vejo vocês lutando com esse carnaval de retalho e me
lembro de quando a gente não tinha nada. Tô dentro. Vou ajudar a sua escola.” Antônio, desconfiado, ergueu uma
sobrancelha. “E desde quando tu te importa com a Vila Margarida, Geraldo?” O bicheiro riu. “Desde que vi o samba
de vocês botar fogo na Intendente, seu teimoso!”
Geraldo, que bancava os carnavais opulentos da Mocidade de Vila Nova, no Segundo Grupo, o Grupo A, abriu os bolsos para a
pequena escola. Ele garantiu materiais melhores para os carros alegóricos, agora carros com pneus e firmes, e tecidos mais nobres para as fantasias.
Mas o que mais marcou foi seu gesto com Mariozinho. O jovem desenhista, que trabalhava no supermercado e
sonhava em viver de sua arte, foi surpreendido quando Geraldo chegou com uma novidade. “Menino, tu desenha
como poucos. Tô pagando um curso de desenho artístico no Senac pra ti. E ouve bem: se tu te dedicar e caprichar
nas fantasias, eu banco um curso com o Fernando Pamplona e a Rosa Magalhães, lá na Belas Artes. Eles viram teus
rabiscos e ficaram de queixo caído!” Geraldo, com seu jeito bruto, imitou as vozes dos mestres do carnaval: “‘É de
um garoto?! Porra, ele desenha pra caralho!’, foram as palavras do Pamplona, moleque! E a Rosa disse que lembrou os
desenhos que ela mostrou para o Pamplona no Salgueiro em 71, "Parece com os rabiscos que eu fiz pra te mostrar no Salgueiro, Pamplona!". "Eles riram, mas era de admiração, viu?”, assegurava Geraldo.
Mariozinho, tímido como sempre, corou até as orelhas. Seus amigos, os “alegres” da vila, que o ajudavam nas
alegorias, bateram palmas e gritaram: “É isso, Mariozinho! Tu é nosso gênio!” Conceição, com lágrimas nos olhos,
deu um beijo estalado no rosto do rapaz. “Tu tá levando o nome da Vila Margarida pra longe, meu filho. Não para
de sonhar, tá ouvindo?” Mariozinho, ainda segurando seu caderno de esboços, apenas assentiu, com um sorriso
que misturava vergonha e orgulho.
Com o apoio de Geraldo, o carnaval de 2004 foi um divisor de águas. A Unidos de Vila Margarida voltou à Intendente com dois carros alegóricos, carros mesmo, bem estruturados, feitos com madeira de qualidade e enfeitados com
detalhes que Mariozinho planejou durante meses no curso do Senac. As fantasias, costuradas por Maria Luzia e sua
equipe de voluntárias, tinham plumas, brilhos e cortes mais elaborados, graças aos tecidos doados. Tião comandava
a bateria com uma precisão que fazia o chão tremer, enquanto Conceição, à frente da escola como rainha, sambava
com a força de quem carregava a vila inteira no coração. Chiquinho Babadeiro, mais uma vez, subiu no carro
principal, agora com uma fantasia nova desenhada por Mariozinho, que parecia brilhar sob as luzes da avenida. Tião comandava a bateria que agora possuía instrumentos inéditos, comprados com a colaboração de Geraldo Quebra Galho, o morro desceu em peso, reforçando a escola .
O resultado veio como um trovão: segundo lugar no Grupo C. A Unidos de Vila Margarida subiu para o Grupo B,
um feito que fez a vila explodir em festa. No campinho, sob o mesmo poste torto, a comunidade se abraçava, ria e
chorava. “A gente tá subindo, Tião! A Vila Margarida tá subindo!”, gritava Conceição, enquanto rodopiava com uma
bandeira da escola. Tião, com um sorriso largo, soprou o apito e respondeu: “E isso é só o começo, minha rainha. A
Sapucaí tá logo ali!, falta só um passo!” Mariozinho, no canto, desenhava em seu caderno uma nova fantasia, sonhando com o dia em
que trabalharia ao lado de Pamplona e Rosa Magalhães. A Vila Margarida, com seus retalhos, sua luta e seu samba,
estava escrevendo sua história, passo a passo, na avenida. O sonho da Sapucaí ia se tornando palpável e não mais uma ilusão de carnaval.
Comentários
Postar um comentário