G.R.E.S. Unidos de Vila Margarida, a escola de samba que perdeu o morro. Cap 4- O sufoco no Grupo B.
O Carnaval de 2006 marcou a estreia da Unidos de Vila Margarida no Grupo B, um salto que encheu a comunidade
de orgulho, mas trouxe desafios ainda maiores. A Intendente Magalhães como palco dos desfiles também crescia e agora trazia um público mais exigente, seria
o palco de uma prova de fogo para a pequena escola.
A grana prometida por Geraldo Quebra Galho, o bicheiro que
se tornara um aliado improvável, pingava aos poucos, sempre com atrasos e desculpas. A subvenção da prefeitura,
que deveria ajudar as escolas de samba, era uma promessa distante, emperrada na burocracia e só liberada após
janeiro, tarde demais para os preparativos. A Vila Margarida, mais uma vez, precisava contar com sua própria força.
Tião, com sua determinação de mestre de bateria, não se deixou abater. “Se o dinheiro não vem, a gente vai
buscar!”, disse ele numa reunião no campinho, sob o mesmo poste torto que iluminava os ensaios. Inspirado por
histórias de carnavais antigos, ele organizou um “livro de ouro”, uma caderneta que circulava entre os comerciantes
locais para arrecadar doações. O primeiro a abrir a carteira foi Seu Dário, o gerente nordestino do Corcovado
Supermercados, onde Mariozinho ainda trabalhava como repositor. Dário, com seu jeito bruto mas coração
mole, ficou impressionado com o esforço do jovem, que conciliava o trabalho no mercado, o curso de desenho
artístico no Senac e as noites desenhando fantasias e alegorias. “Esses garotos são terríveis! Correm atrás do sonho
como se não tivesse amanhã. Eu adoro eles!”, disse Dário, enquanto assinava o livro de ouro e entregava uma
quantia generosa. Ele ainda cedeu mais sobras de madeira e algumas latas de tinta do estoque.
Mariozinho não estava sozinho. Cristiano, um colega do supermercado, começou a ajudar com os desenhos das
fantasias, trazendo um olhar novo e detalhista. Os dois passavam madrugadas no barracão, rindo e rabiscando
ideias em papéis improvisados, enquanto Maria Luzia costurava ao lado, com sua máquina de pedal. “Vocês dois
vão acabar desenhando pro Salgueiro, olha só!”, brincava ela, enquanto enfiava a linha na agulha.
Em pouco mais
de um mês, o livro de ouro arrecadou o suficiente para garantir o básico: tecidos simples, plumas baratas e madeira
para reforçar os dois carros alegóricos.
O enredo de 2006 era especial. Fernando Pamplona, o lendário carnavalesco, empolgado com o talento precoce de Mariozinho, havia sugerido à escola um tema
poético: as lendas dos rios brasileiros. Mariozinho, que agora trocava emails e ideias com Pamplona, abraçou o
enredo com paixão. Seus desenhos traziam o boto cor-de-rosa, a Iara e o rio São Francisco em cores vibrantes, com
alegorias que misturavam plásticos reciclados, tecidos brilhantes e detalhes pintados à mão. Um dos carros,
construído por Seu Antônio e decorado pelos “alegres” da vila, representava o encontro das águas do Rio Negro e
Solimões, com fitas azuis e brancas que dançavam ao vento. Conceição, como rainha, desfilava com uma fantasia de
Iara, com uma saia que imitava escamas e uma coroa de conchas improvisadas. Tião, na bateria, comandava o ritmo
com uma cadência que evocava o pulsar dos rios. O público, encantado com a beleza simples e o belo samba aplaudiam a escola, que tornava-se uma querida do povo. O desfile foi emocionante. A comunidade sambou com garra, e o público na Intendente aplaudiu de pé, encantado
com a simplicidade e a alma da escola. Chiquinho Babadeiro, mais uma vez no carro principal, jogava beijos e fazia
o público delirar.
Na apuração, porém, a realidade pesou: a Unidos de Vila Margarida ficou em sétimo lugar, apesar dos aplausos do público. A falta de
recursos, a inexperiência de Mariozinho com carnavais maiores e a competição mais acirrada do Grupo B cobraram seu preço. “Sétimo não é derrota, é aprendizado”,
disse Conceição, tentando animar a vila, embora seus olhos mostrassem um misto de orgulho e frustração. Tião, ao
seu lado, apenas assentiu, mas seu silêncio dizia muito.
Enquanto a comunidade digeria o resultado, uma novidade sacudiu a Vila Margarida. Geraldo Quebra Galho, que
brigara feio com os conselheiros e a velha guarda da Mocidade de Vila Nova após desentendimentos financeiros, anunciou que, em 2007, assumiria a
Unidos de Vila Margarida como patrono oficial. “Essa escola tem coração, coisa que a Mocidade esqueceu faz
tempo”, declarou ele, com seu jeito fanfarrão, numa roda no bar da vila. Geraldo Quebra Galho fez questão de levar Tião, Mariozinho e principalmente Conceição, conhecidíssima no meio do samba, para os programas de rádio da época. Tião olhou para Conceição com desconfiança e nos corredores das rádios desabafava. “Esse homem é cobra, meu amor. Ele põe
dinheiro, mas quer mandar. Não sei se é bom negócio.” Conceição, com sua sabedoria de rainha, segurou a mão
dele. “Deixa ele entrar, Tião. A gente usa o dinheiro, mas o samba é nosso. Ele não manda na nossa alma.”
Enquanto isso, Mariozinho vivia seu próprio momento de glória. Com o apoio de Geraldo, ele finalmente ingressou na Escola
Nacional de Belas Artes, um sonho que parecia distante para o menino da Vila Margarida. Pamplona e Rosa
Magalhães, que continuavam acompanhando seus desenhos, mandavam recados cheios de incentivo — e alguns
palavrões, como era costume. “Porra! Esse moleque tem fogo, Caralho! Se ele continuar assim, vai desenhar pras grandes!”, dizia
Pamplona para Geraldo Quebra Galho em meio a um chopp na Cinelândia, onde Mariozinho, tímido, escutava e ficava vermelho de timidez. Mariozinho, agora com Cristiano como parceiro criativo, passava as noites na vila
desenhando novas ideias, sonhando com um carnaval que colocasse a Unidos de Vila Margarida no topo.
O sétimo lugar de 2006 foi um tropeço, mas não um fim. Com Geraldo como novo patrono, a promessa de um
carnaval mais robusto em 2007 pairava no ar. A Vila Margarida, com seus rios de luta e samba, se preparava para
mais um capítulo, enquanto Mariozinho, com seu lápis e sua coragem, começava a traçar não só fantasias, mas o
futuro da comunidade.
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