G.R.E.S. Unidos de Vila Margarida, a escola de samba que perdeu o morro. Cap 10 - Geraldo Quebra Galho reconhece seus erros.
Em 2013, a Unidos de Vila Margarida enfrentava um momento crítico. Apesar do brilho no Grupo Especial, com
desfiles luxuosos que encantavam a Sapucaí, a escola começava a mostrar rachaduras. A cúpula da Liesa, em uma
reunião fechada, alertou Geraldo Quebra Galho: “Sua escola tem dinheiro, tem luxo, mas não tem balanço. Falta
alma, Geraldo. Sem o morro, a Vila Margarida é só fachada.” Orecado, direto e cortante, caiu como um raio na
cabeça do bicheiro. Ele, que havia transformado a escola numa vitrine com sua fortuna, percebeu que o
distanciamento da comunidade original estava cobrando um preço. A Vila Margarida, sem suas raízes, corria o risco
de perder o que a tornava única.
Determinado a salvar seu investimento — e, quem sabe, movido por um lampejo de nostalgia de sua própria
história com Seu Antônio no ônibus de Aracaju —, Geraldo subiu o Morro da Vila Margarida. Dispensou Milton
Magalhães, o carnavalesco de falsa humildade, e Luiz Estevão, o diretor de harmonia que tratava a comunidade com
desdém. Num fim de tarde abafado, ele reuniu os moradores no campinho, sob o velho poste torto. Com um
charuto apagado na mão e um tom menos arrogante que o usual, Geraldo abriu o jogo: “Eu errei. Achei que
dinheiro comprava samba, mas samba vem da alma. Quero a Vila Margarida de volta, a de vocês. Marrequinho,
Conceição, Tião, me ajudem a trazer o morro pra Sapucaí de novo.”
Conceição, com os braços cruzados e o olhar desconfiado, respondeu: “Geraldo, tu tirou a nossa escola da gente.
Humilhou o Marrequinho e o Chiquinho, deixou a Maria Luzia de lado, afastou o Mário. Por que a gente ia confiar em você agora?”
Tião, ao lado, segurava o apito com força, como se estivesse pronto para tocar um samba de protesto.
Marrequinho, sempre calmo, apenas ouvia, com a expressão de quem já sofrera demais. Geraldo, pela primeira vez
sem a pose de patrono intocável, baixou a cabeça. “Porque sem vocês, a escola não é nada. Eu vi o Bloco da Vila
Verdadeira. Aquele samba é o que falta na Sapucaí. Me deem uma chance de consertar.” A comunidade se espantava com a repentina humildade, sincera, de Geraldo Quebra Galho.
Após muita conversa e promessas, a comunidade, liderada por Conceição, Tião e Marrequinho, aceitou voltar, mas
com condições: a escola seria do morro, com suas costureiras, seus ritmistas, sua história. Geraldo concordou, e a
notícia correu as vielas como fogo. Dona Benedita, com um sorriso largo, já planejava a feijoada da reconciliação.
Maria Luzia tirou as agulhas do baú, e os rapazes alegres começaram a juntar retalhos para as fantasias. Mas o
maior desafio era trazer Mário Silva de volta. Geraldo, sabendo do talento do jovem, enviou uma carta a São Paulo,
com um pedido direto: “Mário, a Vila Margarida precisa de você. Vem fazer o carnaval do morro.”
Mário, agora um figurinista consagrado no teatro paulistano, leu a carta com o coração apertado. Ele telefonou para
Conceição e Tião, querendo garantias. “É verdade, Mário. O morro tá voltando pra escola. O Geraldo tá botando o
dinheiro, mas quem manda agora é a gente”, disse Conceição, com a voz firme. Tião completou: “Vem, moleque. A
Sapucaí tá esperando o teu desenho.” Mário, após refletir, pegou um ônibus para o Rio, o bom e velho caderno de esboços permanecia em São Paulo, ele trazia agora um moderno laptop, onde materializava seus sonhos. "Tá chique, hem bicha!", brincava Chiquinho Babadeiro com o amigo que retornava para o Morro da Vila Margarida.
Mário Silva, o Mariozinho, voltava ao campinho, foi recebido com abraços e lágrimas. “Você é nosso, Mário
Silva!”, gritou Chiquinho Babadeiro, que também voltava, agora como destaque novamente.
O carnaval de 2014 foi uma celebração do reencontro. Mário Silva, como carnavalesco, criou um enredo sobre os blocos de sujo e de rua e a
resistência da Vila Margarida, inspirado no Bloco da Vila Verdadeira. As fantasias, costuradas por Maria Luzia e as
costureiras da vila, misturavam retalhos com toques de sofisticação, refletindo a alma do morro. Os carros
alegóricos, projetados por Mário com a ajuda de Seu Antônio, eram simples, mas cheios de emoção, com detalhes
que contavam a história da comunidade. Conceição, rainha mais uma vez, desfilou com uma fantasia que evocava a
força das mulheres do morro, com plumas e cores vibrantes. Tião, na bateria, comandava um ritmo que fazia a
Sapucaí pulsar, enquanto Marrequinho, de volta como diretor de harmonia, organizava as alas com o carinho de
quem conhecia cada componente pelo nome. Chiquinho, no carro principal, jogava beijos para a arquibancada, com
a alegria de quem recuperara seu lugar.
O desfile foi uma explosão de emoção. A Sapucaí, acostumada ao luxo, se rendeu ao samba de raiz da Vila
Margarida. O público aplaudiu de pé, e até os jurados, normalmente rígidos, se emocionaram com a autenticidade.
Na apuração, a escola ficou em segundo lugar, perdendo por um capricho de um jurado do quesito Mestre-Sala e Porta-Bandeira. Este foi um resultado que levou o morro à loucura. Na quadra improvisada
do campinho, a festa durou dias, com feijoada, samba e abraços. Geraldo, pela primeira vez, sentou-se entre os
moradores, sem charuto ou pose, tomando uma cerveja com Seu Antônio. “Vocês me ensinaram o que é samba de
verdade”, admitiu, com um meio sorriso.
Conceição e Tião, de mãos dadas, olhavam a vila reunida. “A escola é nossa de novo, Tião”, disse ela, com lágrimas
nos olhos. Tião, com o surdo ao lado, respondeu: “Sempre foi, meu amor. O morro só tava esperando a hora de
mostrar.” Mário Silva, ao lado, desenhava no caderno uma nova ideia para o próximo carnaval, enquanto Chiquinho
e os rapazes alegres cantavam um samba em sua homenagem. A Vila Margarida, com sua alma de volta, brilhava na
Sapucaí, provando que o samba verdadeiro nasce no morro e nunca se rende.
A Unidos de Vila Margarida voltava a ser de seu povo.
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