Elias, das sombras da escravidão à luz da liberdade. Capítulo 18 (Final)- O Legado de um Herói, o legado de Manassés.

  Capítulo XVIII: O Legado para Dois Mundos


     


   Rio de Janeiro, Império do Brasil, 1888. O sol brilhava sobre a capital do Império, mas nenhum raio era tão luminoso quanto a assinatura da Lei Áurea em 13 de maio, que abolia a escravidão no Brasil. Na pequena  Ilha de Paquetá, Pedro Mendonça, agora com 59 anos, e Elias Sobrinho, com 58, abraçavam-se com lágrimas nos olhos, o jovem Elias Neto, de 21 anos, entre eles. Pedro, com orgulho, usava o rosário de Rodolfo, beijando a cruz e pensando em seu pai, Manassés, o portador mais longevo da maior relíquia da família Mendonça. Elias Neto guardava consigo o  lenço de Cacilda,  outra relíquia que carregava o peso e a glória da luta de seu avô, Manassés Mendonça. —Papai, tio... nós conseguimos — sussurrou Elias Neto, a voz embargada. —O vovô Manassés deve estar sorrindo lá em cima, com  Vô Rodolfo e Vó Cacilda.
  Pedro, já  com os cabelos grisalhos, mas os olhos verdes ainda faiscando com a determinação herdada do pai, apertou o ombro do filho. —Tudo isso começou com ele — disse, a voz rouca de emoção. —A dor dele, a luta dele, o amor dele... foi o que nos trouxe até aqui. — Elias Sobrinho, ao lado, assentiu, os olhos marejados. Como tipógrafo, ele espalhara panfletos abolicionistas por décadas, e cada palavra impressa era uma homenagem ao tio que sofrera o inimaginável. —Tio Manassés nos ensinou que a liberdade é mais forte que qualquer corrente — murmurou, segurando a mão do sobrinho. Naquele momento, os três ergueram os olhos para o céu, como se vissem Manassés, Rodolfo e Cacilda celebrando a vitória. A abolição era mais que um decreto; era a concretização do legado de um homem que, contra todas as probabilidades, transformara sua dor em esperança para gerações futuras.
    Miguel Albuquerque, agora com 48 anos, tornou-se um professor respeitado, dedicado a ensinar os filhos de libertos e pobres, administrando com sabedoria a herança deixada por Antônio Albuquerque, seu pai. Sua esposa, Amélia, uma mulher de coração generoso, compreendia a missão de Miguel de honrar o legado de seus pais,  Antônio, o legítimo, e Manassés, o do coração. Juntos, eles transformaram a casa em Paquetá num refúgio para casais que, como Manassés e Antônio, amavam clandestinamente, desafiando as convenções de uma sociedade ainda rígida. —É o que meu pai e Manassés fariam — dizia Miguel, enquanto recebia jovens que buscavam um lugar seguro para viver seus amores proibidos. O filho de Miguel, Antônio Neto, de 20 anos, herdara do avô não apenas o nome e a casa de Paquetá, mas o amor emocional e físico por homens. Ele assumiu a casa de Paquetá como seu lar, vivendo abertamente seu amor com Frederico, um moreno e ex-escravo carioca, algo que Manassés e Antônio nunca puderam fazer em vida. Antônio Neto, com sua coragem, era um eco vivo do espírito libertário dos pais, e Paquetá continuou sendo um santuário para aqueles que ousavam amar contra o mundo.
 Lucas, aos 49 anos, com a sua parte na herança de Antônio Albuquerque, ergueu um educandário para meninos órfãos e o batizou de Casa Manassés Mendonça, uma lembrança a luta do pai pela liberdade. Ele apoiava principalmente os órfãos da senzala, necessitados de amparo. Lucas casou-se com Isadora e com ela teve um filho ao qual batizou de Manassés Neto, uma lembrança do pai que ele tanto amou.
     Em Pelotas, na sombria  Fazenda Santo Inácio, o fim de Ana Lúcia veio como um eco da praga de Manassés. Em 1870, aos 60 anos, ela sucumbiu a uma peste que devastou Pelotas, sua morte marcada pela solidão e pelo abandono. Alguns sussurravam que era a maldição de Elias, outros falavam das mandingas murmuradas na senzala, mas todos concordavam que a cruel Sinhá pagara o preço de sua maldade, especialmente a atrocidade feita ao escravo Elias Villanova, a então identidade escrava de Manassés em seus tempos de dor na Santa Inácio. Após a morte de Sinhá Ana Lúcia, a Santo Inácio, já em decadência, foi saqueada por capatazes e ex-escravizados, suas paredes desmoronando como o legado dos Almeida. O tronco onde Elias Villanova fora marcado a ferro apodreceu sob a chuva, e a fazenda tornou-se um campo vazio, um símbolo do fim de uma era de opressão. Décadas depois, em 1930, tanto a Santa Bárbara, quanto a Santo Inácio foram completamente demolidas, por conta da ausência de herdeiros nas duas fazendas e transformadas em bairros populares que levaram o mesmo nome das extintas fazendas, trazendo assim um eco da justiça do legado de Manassés Mendonça, que tanto sofreu nas duas casas, palcos de seus piores momentos.
   Em Lisboa, Clara, agora com 56 anos, vivia como professora, dedicando-se a educar meninas pobres. Inspirada pela dor de Manassés e pela bondade que ele lhe ensinara, ela lutava pela justiça social, transformando sua sala de aula num espaço de esperança. Nas humildes festas de formatura, ela celebrava as conquistas de suas alunas, enviando cartas a Pedro e Miguel com relatos cheios de orgulho. —A dor de Elias e a luta de papai me ensinaram a lutar pelos que não têm voz — escrevia, sua caligrafia firme refletindo a força de uma mulher que escolhera o caminho da redenção.
    O legado de Manassés Mendonça, o homem que fora Elias, o Uruguaio, o Estorvo, reverberava em seus remanescentes. Elias Neto, herdando o rosário de Rodolfo - dado por Pedro em seu leito de morte - e o lenço de Cacilda, tornou-se escritor e, na segunda década do século XX, publicou um livro que contava a saga de seu avô. Intitulado "O Bravo de Santo Inácio: Elias - Branco no Corpo e Preto na Alma", título ousado, a obra narrava a dor, a luta e a redenção de Manassés, mas, devido à censura da época, o amor entre ele e Antônio foi descrito como uma “grande amizade de irmãos de dor”, reinterpretando o envolvimento de Elias e Antônio como algo fraterno e não carnal. Elias Neto, embora frustrado, aceitou a edição, sabendo que a verdade encontraria seu caminho.
 Em 1995, sete décadas depois, herdeiros de Manassés, com acesso aos originais guardados por décadas, restauraram o manuscrito, publicando uma nova edição que recontava a história completa, incluindo o amor apaixonado entre Manassés e Antônio. O livro, agora um clássico, tornou-se um símbolo de resistência para os movimentos abolicionistas e para aqueles que lutavam pelo direito de amar livremente. A história de Manassés e Antônio, antes sussurrada, passou a ser bradada com orgulho, inspirando gerações.
   Na casa de Manassés Neto, tataraneto de Manassés, o rosário de Rodolfo foi emoldurado, pendurado como uma relíquia sagrada. Ao lado, o lenço de Cacilda, preservado com cuidado, contava a história de uma mulher que amara um menino rejeitado como se fosse seu. Manassés Neto, um historiador, dedicava-se a preservar a memória de seu ancestral, garantindo que a saga do Bravo de Santo Inácio nunca fosse esquecida. —Meu tataravô sofreu o que poucos suportariam — dizia, mostrando o rosário aos visitantes. —Mas ele nos ensinou que o amor e a verdade sempre vencem.
    Manassés Mendonça, o Uruguaio, Elias, tornou-se uma lenda. Para os ex-escravizados, ele era o símbolo da resiliência, o homem que sobrevivera ao inferno da senzala para emergir livre, o Branco no corpo e Preto na alma. Para os que amavam sem ousar dizer o nome, ele era a prova de que o amor, mesmo clandestino, podia florescer contra todas as adversidades. No Brasil do século XXI, seu nome ecoava em marchas pelos direitos humanos, em livros, em canções, e nas vozes de quem, como ele, ousava bradar sua verdade com orgulho. Sob o céu de Paquetá, onde Manassés e Antônio viveram seu amor, o mar ainda sussurrava seus nomes, enquanto o rosário de Rodolfo e o lenço de Cacilda, guardados por Manassés Neto, permaneciam como testemunhas de um legado que cruzara dois mundos: o da luta pela liberdade e o do amor que desafia o tempo. Manassés, o Bravo, e Antônio, o Redentor, descansavam em paz, mas suas histórias continuavam a inspirar, um farol para todos que buscavam justiça, amor e dignidade. 
 


Fim

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