Elias, das sombras da escravidão à luz da liberdade. Capítulo 10 - Rua 20 de Abril, onde o amor acontece.
Capítulo X: Rua 20 de Abril - Onde o Amor acontece
Rio de Janeiro, Capital do Império do Brasil, 1837. A corte imperial, com sua efervescência de carruagens, salões e
intrigas, era um universo de contrastes, onde a opulência dos fidalgos coexistia com a miséria dos escravizados. Na
Rua 20 de Abril, um casarão discreto servia como hospedaria para rapazes solteiros, mas também como refúgio
para os segredos da elite — encontros clandestinos entre fidalgos e moças pobres, ou mesmo rapazes escravizados,
escondidos atrás de portas trancadas. Era ali que Antônio Albuquerque, com seus olhos azuis carregados de
melancolia, encontrava um espaço para expressar o que a corte reprimira por anos.
Elias Mendonça, agora aos 30 anos, recuperava na capital os traços de beleza que a senzala da Fazenda Santo Inácio
tentara apagar. Seus cabelos negros encaracolados, agora bem aparados, caíam sobre os ombros, e seus olhos
verdes, embora marcados pela tristeza, brilhavam com uma vitalidade renovada. O trabalho na corte, menos brutal
que o arado da fazenda, permitira que seu corpo atlético recuperasse a forma, e seu rosto, com lábios grossos e
traços herdados de Rodolfo, fazia as sinhazinhas da cidade virarem-se extasiadas ao passar por ele. Para Antônio,
essa beleza era uma tentação constante, um chamado que ele não podia mais ignorar. Seu amor por Elias,
guardado em segredo desde a Santo Inácio, crescia a cada dia, alimentado pela convivência na casa alugada na
corte.
Pedro, aos oito anos, era uma criança cada vez mais confusa. A semelhança com Elias, o “Estorvo”, o perseguia
como uma sombra. Na escola, o apelido “Cara do Estorvo” o atormentava, e ele alternava entre raiva e curiosidade
ao olhar para o “mordomo”. “Por que ele me parece tão... familiar?”, pensava, antes de afastar o pensamento com a
arrogância herdada de Ana Lúcia e Dom Gregório. Para aplacar seus modos rudes e moldá-lo como fidalgo, Pedro
foi enviado ao mesmo internato que formara Antônio, um colégio rígido onde passaria os próximos sete anos. No internato, longe de Elias, a sombra da semelhança se dissipava, e Pedro, sob a influência de professores severos,
cultivava uma arrogância que ecoava a de seus avô e mãe.
Com Pedro fora, Antônio viu uma oportunidade. Ele e Elias interagiam cada vez mais, as conversas evoluindo de
ordens gentis para momentos de cumplicidade. Uma noite, após um jantar onde Ana Lúcia se ausentara para um
evento social, Antônio segurou a mão de Elias, os olhos brilhando com uma intensidade nova. “Vem comigo,
uruguaio! É hora de conversarmos melhor, sobre nós!”, disse, a voz suave, mas firme. Elias, surpreso, sentiu o calor
da mão de Antônio, um toque que não carregava ameaça, mas carinho. Hesitante, mas movido por uma gratidão
que confundia com confiança, ele seguiu Antônio até o casarão da Rua 20 de Abril.
O quarto na hospedaria era simples, com uma cama de madeira, cortinas puídas e uma lamparina que lançava
sombras suaves. Elias, acostumado à violência das noites com Ana Lúcia, entrou com o corpo tenso, os traumas
emergindo como fantasmas. “Antônio... eu não sei...”, começou, a voz tremendo, mas Antônio, com paciência,
aproximou-se, tocando seu ombro com cuidado. “Elias, aqui não há sinhás, nem capatazes. Só nós. Deixa-me te
mostrar que tu és mais que um escravo”, sussurrou, os olhos azuis cheios de ternura.
Antônio, conhecedor dos caminhos do corpo masculino, moveu-se com delicadeza, libertando Elias de seus medos.
Ele acariciou o rosto do “escravo branco”, traçando os contornos de seus lábios grossos, e Elias, pela primeira vez,
sentiu um toque que não era dor. O beijo veio, molhado e carinhoso, uma onda de liberdade que dissolveu as
correntes invisíveis. Elias, hesitante, correspondeu, as mãos calejadas encontrando os ombros de Antônio. As roupas
foram jogadas ao chão, e os corpos se encontraram com ternura, um abraço que parecia curar as feridas de anos.
Antônio, ao tocar as costas de Elias, sentiu a marca dos Almeida em relevo, e uma tristeza profunda atravessou seu
olhar. “Tu não merece isso...”, murmurou, beijando a cicatriz com reverência
A cama tornou-se um templo de amor, um espaço onde Elias, aos 30 anos, sentiu-se amado e desejado como
homem pela primeira vez. O clímax veio simultâneo, os corpos entrelaçados, e Elias, com lágrimas nos olhos, sentiu
seu sexo rijar, liberando não apenas prazer, mas toda a dor e o amor represados em três décadas de sofrimento.
Diferente das noites de violência com Ana Lúcia, esse orgasmo era um ato de liberdade, um grito silencioso de
redenção. “Eu... sou... humano...”, sussurrou, o rosto enterrado no peito de Antônio. Este, com um sorriso gentil, levou Elias até um espelho no canto do quarto. “Olha-te, Elias! Vejas como tu és
lindo!”, disse, a voz cheia de admiração. Elias, que não se olhava no espelho desde o nascimento de Pedro, diante de sua imagem, tocou o reflexo com dedos trêmulos. A visão
de seu rosto, com traços que lembravam os de Pedro e Rodolfo, o emocionou. “Sou... eu... Meu Deus... sou tão... bonito... a
cara do...”, parou, evitando confessar que era o pai de Pedro. Naquele momento, tão íntimo, ele queria que fosse
apenas deles, dois homens presos por suas próprias correntes — Antônio, pela repressão da corte, e Elias, pela
escravidão forjada. Eles se abraçaram, irremediavelmente apaixonados, sabendo que o mundo lá fora não perdoaria
seu amor.
Na casa da corte, Ana Lúcia, alheia ao que acontecia, continuava sua escalada social, enquanto Clara, com sua compaixão infantil, perguntava por Elias. “Cadê o Estorvo, mamãe? Ele tá triste?”, dizia, e Ana Lúcia, com um sorriso frio, respondia: “Ele é só um escravo, Clara. Não te preocupes.” Serafina, a governanta, observava tudo, seu silêncio carregado de suspeitas. Ela sabia que Elias era mais que um “uruguaio”, mas guardava a verdade, temendo as consequências.
Na Fazenda Santa Bárbara, a decadência era total, estava tudo abandonado. Carlos, em Pelotas, criava Elias Sobrinho com Clementina, contando ao filho a história do tio sacrificado. Anselmo e Helena, se foram, consumidos pela miséria e a bebida. A memória de Elvira, morta em sua arrogância, era uma lembrança amarga. Carlos, com o remorso como companheiro, prometia: “Elias, meu irmão, onde quer que estejas, juro que teu sobrinho saberá quem tu és.
Na Rua 20 de Abril, Elias, nos braços de Antônio, encontrou um oásis em meio ao deserto de sua vida. Ele sabia que o amor deles era um segredo perigoso, que Ana Lúcia e a corte poderiam destruí-los, mas, pela primeira vez, sentiu-se inteiro. “Pai... Mãe Cacilda... eu encontrei um pouco de paz, eu encontrei finalmente o amor carnal”, murmurou, o rosário e o lenço apertados contra o peito. A jornada de Elias, marcada por dor e silêncio, ganhava uma nova camada — um amor proibido que, mesmo frágil, lhe dava forças para continuar. Mas o futuro, com Pedro no internato e Ana Lúcia e Gregório como ameaças constantes, permanecia um abismo de incertezas.
Fim do Capítulo X
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