Elias, das sombras da escravidão à luz da liberdade. Capítulo 16 - Uma nova vida, um novo nome.
Capítulo XVI: Uma Nova Vida, Um Novo Nome, O Renascimento como Manassés.
Rio de Janeiro, Capital do Império do Brasil, 1844. A viagem de volta à corte foi um marco de libertação para Elias
Mendonça, agora um homem livre, acompanhado por Antônio Albuquerque, o amor de sua vida, o pequeno
Miguel, o filho de Antônio e o seu novo filho, Lucas, o órfão adotado em São Paulo. A carruagem balançava suavemente pelas estradas, e Elias, com Lucas abraçado ao seu peito , estava segurando o rosário de
Rodolfo e o lenço de Cacilda, olhava pela janela, o coração dividido entre a dor do passado e a esperança de um
futuro feliz, ainda mais com um filho para educar e ver crescer. Antônio, com seus olhos azuis brilhando de ternura, segurava sua mão, um gesto que, embora
discreto, selava a promessa de uma vida juntos. Em seus momentos de empolgação, Elias colocava a cabeça na janela da carruagem e gritava como se anunciasse para o mundo: "Eu sou LIVRE!", o que despertava o pequeno Lucas, que dormia abraçado ao seu peito, como ele fazia com o pai, Rodolfo. Elias ao lembrar deste detalhe, chorava emocionado e falava para Antônio: "Lucas é tão parecido comigo quando me abraça! Me lembra como eu fazia com meu pai!".
Ao chegarem ao Rio, Antônio, com sua astúcia de fidalgo, decidiu separar os espaços de sua vida. No Centro da
Corte, ele estabeleceu um escritório de negócios, onde lidava com as demandas da elite imperial. Mas o lar, o
verdadeiro refúgio onde ele e Elias poderiam viver seu amor sem os olhares hipócritas da sociedade, foi escolhido
com cuidado: a pequena Ilha de Paquetá, um oásis de tranquilidade conhecido por abrigar casais clandestinos. Ali,
entre as praias serenas e as árvores frondosas, Elias e Antônio encontraram um santuário para sua história proibida,
enquanto Miguel, um travesso menino de 4 anos e Lucas, aos 5 anos, feliz e com cada vez mais afinidade com Miguel, cresciam sob os cuidados de Serafina, a governanta portuguesa que guardava seus
segredos com lealdade.
Numa tarde de sábado, sob o céu dourado de Paquetá, Elias e Antônio caminhavam pelas areias da praia, o mar lambendo suavemente seus pés. Elias, sem camisa, carregava o pano sobre o ombro esquerdo, o corpo marcado pelas cicatrizes de uma vida de sofrimento. Antônio, com o coração apertado, fixou os olhos na infame marca do brasão dos Almeida nas costas de Elias, um relevo cruel que contava a história de sua escravidão. —Quisera eu poder apagar esta marca, meu amado... — murmurou Antônio, a voz embargada, os dedos traçando suavemente a cicatriz. Elias, com uma serenidade que só a liberdade recém-conquistada poderia trazer, virou-se para ele, os olhos verdes brilhando com uma determinação tranquila. —Manassés! Este será meu nome a partir de hoje! — declarou, a voz firme, como se pronunciasse um voto sagrado. —Quando tiver meus novos registros, quando Deus me der esta sorte de possuir novamente meus registros pessoais! E... espero... ter Mãe Cacilda registrada como MINHA VERDADEIRA MÃE! Eu sou Manassés desde o momento em que recuperei a liberdade!
Antônio, surpreso, sorriu com curiosidade. —Por que Manassés, amado? Elias é um nome tão bonito! — perguntou, segurando a mão de Elias com ternura. Elias respirou fundo, o olhar perdido no horizonte, onde o mar encontrava o céu. —Deus me fez esquecer, Antônio! É o significado de Manassés! — explicou, a voz carregada de emoção. —Como aconteceu com José em seus 13 anos de dor no Egito, eu também conheci o fundo do poço, um fundo que mataria qualquer outro homem. Por 37 anos vivi coisas que destruiriam muitos homens. Fui vendido, marcado, humilhado, tratado como menos que gado. Mas Deus me deu você, e agora Ele me fará esquecer tudo o que passei, por mais que a marca dos Almeida me persiga pelo resto dos meus dias. Continuarei sendo o filho de Rodolfo e de Cacilda, mas quero deixar de ser Elias. Quero esquecer os meus 37 anos de sofrimento e renascer de direito, como renasci de fato. Deixo de ser Elias e renasço como Manassés! Antônio, com lágrimas nos olhos, puxou Elias para um abraço, beijando sua testa. —Manassés... meu Manassés — sussurrou, a voz tremendo de amor. —Tu és mais forte que qualquer homem que já conheci. E eu estarei ao teu lado, sempre. Lucas aparecia e abraçava o pai, sorrindo com a felicidade do homem que o resgatou da orfandade.
Meses depois, em 1845, Antônio, usando suas conexões na corte, conseguiu os novos papéis de identificação para Elias, oficializando o seu novo nome, Manassés. Quando Manassés recebeu os documentos, suas mãos tremeram ao ler o nome: Manassés Mendonça, filho de Rodolfo Mendonça e Cacilda Mendonça. As lágrimas escorreram por seu rosto, e ele caiu de joelhos, segurando os papéis contra o peito. —Finalmente! Finalmente me livro do ESTORVO da maldita Elvira Mendonça em minha vida! — exclamou, a voz quebrada pela emoção. —Aquela mulher maldita não é mais minha mãe, como NUNCA foi de fato! Ler o nome de Cacilda Mendonça ao lado de Rodolfo Mendonça como meus pais é um sonho que se realiza! Obrigado, meu Deus! Antônio, ao seu lado, sorriu, os olhos brilhando de orgulho. —Agora, além de livre, você é pleno, Manassés, meu amor! — decretou, inclinando-se para beijar os lábios de Manassés, um beijo que selava não apenas o amor entre eles, mas a vitória de um homem que renascera das cinzas de sua dor.
Lucas e Miguel eram matriculados no internato, o mesmo que formara Antônio e posteriormente Pedro. As crianças voltavam para a casa de 15 em 15 dias, enchendo a casa de Paquetá de brincadeiras e alegria para os dois pais.
Sete anos se passaram, e em 1852, Manassés Mendonça, agora com 45 anos, era um homem renovado. As rugas em seu rosto contavam a história de sua luta, mas seus olhos verdes brilhavam com uma paz que ele nunca conhecera. Ele vivia com Antônio em Paquetá, onde criavam Miguel e Lucas, agora com 12 e 13 anos, como uma família unida pelo amor. A Ilha de Paquetá, com sua tranquilidade, era o lar perfeito, longe dos julgamentos da corte. Manassés trabalhava como mordomo de Miguel e era pai de Lucas, mas, acima de tudo, era um homem livre, pleno, que aprendera a amar e a ser amado. Numa tarde ensolarada, Manassés recebeu uma visita que fez seu coração disparar. Pedro, agora com 23 anos, e Elias Sobrinho, também com 23, chegaram à Paquetá, vindos por uma barca alugada por Antônio. Ver os dois jovens lado a lado era como olhar para um espelho do passado: ambos pareciam gêmeos, réplicas perfeitas do jovem Elias Mendonça, com cabelos negros encaracolados, olhos verdes e traços fortes, o que fazia o curioso Lucas pensar: "Pai, o senhor também é pai de gêmeos?", Manassés ria do rapazote . A emoção tomou conta de Manassés, que correu para abraçar Pedro, seu filho, com uma força que parecia apagar os anos de separação. —Te amo, meu filho! Você é o meu maior tesouro! — repetia Manassés, a voz embargada, as lágrimas escorrendo enquanto segurava Pedro contra o peito. Cada “te amo” era uma tentativa de compensar os 15 anos em que sua paternidade lhe fora roubada, um bálsamo para a dor que ainda ecoava em seu coração. Pedro, com os olhos marejados, abraçou o pai com igual intensidade. —Também te amo, papai! — disse, a voz cheia de gratidão. —E Deus, como me alegra dizer isto, meu pai! — O jovem, outrora arrogante, transformara-se num homem justo, movido pela culpa de seus atos passados e pelo desejo de honrar o sofrimento do pai. Manassés virou-se para Elias Sobrinho, seu sobrinho, e sorriu, vendo no rapaz a imagem de sua juventude. —E você, meu sobrinho, cresceu e está cada vez mais parecido comigo! Fico orgulhoso de ti! — disse, acariciando os cabelos do jovem. Elias Sobrinho, com um sorriso tímido, respondeu com orgulho: —Tio, agora eu sou tipógrafo e vivo de espalhar panfletos que defendem a abolição do fardo da escravatura! Eu é que me orgulho de ti! — Seus olhos brilhavam com a determinação de um jovem que carregava o nome e o legado do tio com honra. Pedro, ao lado do primo, assentiu. —Na corte, eu e Elias nos envolvemos na luta abolicionista — disse, a voz firme. —Queremos apagar o passado de arrogância dos Mendonça e dos Almeida e honrar tua luta, papai. Tua dor nos ensinou o que é justiça - reafirmou Pedro, que em nada lembrava o almofadinha arrogante dos tempos de adolescência. Manassés, com o coração cheio, abraçou os dois jovens, sentindo que, de alguma forma, sua jornada de sofrimento encontrara um propósito. —Vocês são minha redenção — murmurou, as lágrimas escorrendo enquanto olhava para Pedro e Elias Sobrinho. —Meu pai Rodolfo e minha mãe Cacilda estariam orgulhosos de vocês.- Disse um emocionado Manassés. Pedro e Elias sobrinho conheciam Lucas, o filho caçula de Manassés.
Manassés se emocionava em ver seus filhos e seu sobrinho juntos.
Na Ilha de Paquetá, Manassés e Antônio continuaram a viver seu amor, criando Miguel e Lucas com carinho e discrição. A luta abolicionista, que Pedro e Elias Sobrinho abraçaram, tornou-se uma extensão do legado de Manassés, um homem que, como José no Egito, transformara a dor em esperança. A marca dos Almeida ainda estava em suas costas, mas ela não o definia mais. Ele era Manassés Mendonça, filho de Rodolfo e Cacilda, pai de Pedro, amante de Antônio, e, acima de tudo, um homem que renascera para provar que o amor e a verdade podem vencer até o mais profundo dos infernos. Sob o céu estrelado de Paquetá, Manassés segurou o rosário e o lenço, murmurando uma prece. —Pai... Mãe Cacilda... eu esqueci a dor, como Manassés. E agora, vivo pelo amor. — Com Antônio ao seu lado, Pedro, Lucas, Miguel e Elias Sobrinho como sua família, e a luta pela liberdade como seu propósito, Manassés Mendonça finalmente encontrara a paz que o mundo lhe negara por tanto tempo.
Fim do Capítulo XVI.
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