Elias, das sombras da escravidão à luz da liberdade. Capítulo 17- O último adeus - A despedida em paz e em liberdade.
Capítulo XVII: O Último Adeus - A Despedida em Paz e em Liberdade
Ilha de Paquetá, Rio de Janeiro, Império do Brasil, Novembro de 1870. A brisa suave do mar acariciava a pequena
casa onde Manassés Mendonça, aos 63 anos, jazia acamado, o corpo enfraquecido pelos anos de sofrimento que a
liberdade não pôde apagar. As rugas profundas em seu rosto contavam a história de uma vida de dor, mas seus
olhos verdes, mesmo apagados pela doença, ainda brilhavam com a serenidade de quem encontrara paz. A marca
dos Almeida em suas costas, agora coberta por lençóis, era um lembrete silencioso de seu passado, mas não mais
sua definição. Ele era Manassés, filho de Rodolfo e Cacilda, pai de Pedro e também de Lucas, tio de Elias Sobrinho, e o amor eterno de
Antônio Albuquerque.
Ao seu lado, Antônio, também com 63 anos, segurava sua mão, os olhos azuis inundados de lágrimas. O peso da
idade e a certeza do fim iminente de Manassés apertavam seu coração. —Meu amor, sinto que não terei muito
tempo — sussurrou Manassés, a voz fraca, mas carregada de uma aceitação tranquila. —Chame meu querido filho Pedro, lá da
corte.
Antônio, com o peito dilacerado, assentiu, incapaz de esconder a angústia. Ele enviou uma mensagem urgente, e,
dias depois, Pedro, agora com 41 anos, chegou a Paquetá, trazendo nos braços seu filho, Elias Neto, de 3 anos,
batizado com o nome que Manassés outrora carregara. O menino, com cabelos negros encaracolados e olhos
verdes, era um reflexo vivo do avô em sua juventude, como se o destino oferecesse a Manassés a promessa de um
futuro plenamente livre. Elias Sobrinho, agora com 41 anos, também veio. Miguel, com 30 anos, filho de Antônio e criado como filho do coração por Manassés, completava o círculo de amor que cercava o leito do nosso agora combalido herói.
Elias Neto, com a inocência de seus 3 anos, olhou para Manassés, deitado e quase sem voz, e exclamou: —Vovô... tu
é bonito! — Um leve sorriso iluminou o semblante cansado de Manassés, e, com esforço, ele ergueu a mão,
entregando ao menino o lenço de Cacilda, o amuleto que o sustentara por décadas. —Belo és tu, pequenino —
sussurrou, a voz tremendo. —Tome, agora é teu. Isso veio da mulher mais generosa que... esta terra conheceu... Pedro
contará a ti ... quem foi ela.
Em seguida, Manassés virou-se para Pedro, seus olhos brilhando com amor e gratidão. Ele entregou ao filho o
rosário de Rodolfo, conforme garantira ao pai, o objeto que o mantivera forte nos piores momentos. —Honre o legado de teu avô, um...
grande... homem — disse, cada palavra um esforço hercúleo. —O maior que eu vi! Não fosse o amor dele... eu não
resistiria! Passe-o para o pequeno Elias... quando a tua hora... também chegar.
Pedro, com lágrimas escorrendo pelo rosto, segurou o rosário, prometendo em silêncio carregar o legado do avô e
do pai. Elias Sobrinho, ao lado, enxugava as lágrimas, sabendo que eram os últimos momentos de seu estimado tio. Lucas, aos 30 anos, chegava, também, e olhava para o pai que o resgatou das ruas de São Paulo — Meu Lucas...que bom te ver...o presente que...Deus me...deu! - falava Manassés, contemplando o filho adotivo. Lucas deixava o quarto e ia para a sala, onde desabou em um choro convulsivo, sabendo da iminente perda do pai. Miguel, com o coração partido, segurava a mão de
Manassés, o homem que o criara como filho. Antônio, devastado, os olhos em lágrimas contínuas, mantinha-se ao lado do amado, incapaz de
imaginar a vida sem ele. Lucas tomava coragem e voltava ao quarto, para se despedir do pai.
Manassés olhou para todos, seu olhar abraçando Pedro, Antônio, Miguel, Lucas e Elias Sobrinho. —Agora... posso partir...
em paz — sussurrou, a voz quase inaudível, mas cheia de uma felicidade serena. —Pedro, o meu filho... Antônio, meu grande amor... Miguel... meu
filho... do coração... Elias... meu sobrinho querido... minha réplica... Lucas...o presente de Deus... meus maiores amores... eu... encontrarei meu
pai... minha... verdadeira mãe, Cacilda... todos os...meus amigos de senzala... parto... FELIZ E LIVRE...
Naquele instante, em sua mente, Manassés viu dois vultos, espectros que tomaram forma como Rodolfo e Cacilda,
estendendo as mãos para ele. Ele se viu novamente como o rapaz de 17 anos que partira para a Guerra da
Cisplatina, cheio de sonhos, amparado pela bondade de Cacilda e inspirado pela força de Rodolfo. O pai, com um
sorriso orgulhoso, falou: —Filho: entre os fortes, tu fostes o mais bravo!
Manassés, em sua forma espectral estendendo as mãos para o pai, enquanto que no leito, com um sorriso sereno, respondeu em suas últimas palavras: —Pai... como eu sempre... desejei... o
senhor veio me buscar... eu apenas... te orgulhei... Meu pai. — Seus olhos se fecharam, e seu último suspiro escapou, leve
como a brisa de Paquetá, enquanto o lenço de Cacilda e o rosário de Rodolfo permaneciam com sua família,
símbolos de um amor que transcendera o sofrimento.
Antônio, agarrado ao peito de Manassés, desabou em soluços desesperados. —Meu amor! Meu eterno amor,
partirei para te encontrar em breve, porque não vou suportar muito tempo sem você! — gritou, as lágrimas caindo
como um dilúvio. —Creio que, em um milagre supremo, você virá me buscar, também! Não me restam mais sonhos,
minha vida também terminou! — Ele virou-se para Pedro, Lucas, Miguel e Elias Sobrinho, a voz quebrada. —Eu já estava
construindo o nosso jazigo... Manassés se foi... eu sei que irei em breve... nos juntem no descanso...
Menos de três meses depois, em fevereiro de 1871, Antônio, consumido pelo luto, também partiu. Em seu leito de
morte, ele viu, em sua mente, o jovem Elias Mendonça, o homem por quem se apaixonara na Santo Inácio,
estendendo a mão com um sorriso gentil. —Acabou... vamos embora, você irá comigo — dizia o espectro de Elias,
radiante, para o fidalgo hesitante que Antônio fora outrora. Antônio, vendo-se novamente como o jovem
apaixonado, dando a mão direita para um sorridente Elias. Antônio sorriu, seu último suspiro escapando com uma paz que só o reencontro com seu amor poderia trazer.
Pedro e Miguel, ao lado de Lucas e Elias Sobrinho, choravam as mortes de seus pais, mas sorriam pelo legado que
Manassés e Antônio deixaram. Eles foram sepultados lado a lado no jazigo que Antônio planejara, suas lápides
gravadas com palavras simples, mas profundas: Manassés Mendonça ( 25/3/1807 - 10/11/1870), Herói, Branco no Corpo e Preto na Alma/ Antônio Albuquerque (10/7/1807 - 08/2/1871), O Redentor da Liberdade e do Amor.
O rosário de Rodolfo e o lenço de Cacilda, companheiros das dores de Elias/Manassés tornaram-se relíquias para a família Mendonça. Lembranças de um homem que transformara dor e o sofrimento em esperança. Manassés Mendonça, nascido Elias, que sofrera o que poucos suportariam, partiu como um homem que emergira das trevas com
forças renovadas, conquistando amor, liberdade e dignidade. Antônio, seu eterno companheiro, seguiu-o,
consumido por um amor puro que nem a morte pôde apagar. Juntos, deixaram um legado que Pedro, Lucas, Elias
Sobrinho e Elias Neto carregariam na luta abolicionista, honrando a memória de um homem que, como José no
Egito, esquecera a dor para renascer em glória.
Na Ilha de Paquetá, sob o céu estrelado, o vento parecia sussurrar os nomes de Rodolfo, Cacilda, Manassés e
Antônio, enquanto o mar cantava uma canção de paz para os bravos que, contra todas as probabilidades,
encontraram a felicidade na liberdade e no amor.
Fim do Capítulo XVII.
Próximo e Último Capítulo, o XVIII, "O Legado de Manassés."
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