Elias, das sombras da escravidão à luz da liberdade. Capítulo 15- Rumo à nova vida.

  Capítulo XV: Rumo à Nova Vida
    Pelotas, Província do Rio Grande do Sul, Império do Brasil, 1840. A casa-grande da Fazenda Santo Inácio, outrora um símbolo de poder e opressão, agora tremia sob o peso da verdade revelada. Elias Mendonça, aos 37 anos, finalmente livre da corrente forjada que o nomeava Elias Villanova, encarava Ana Lúcia no salão principal, onde a luz do sol entrava pelas janelas como uma testemunha silenciosa. Seus olhos verdes, marcados por rugas e dores de 16 anos de escravidão e sofrimento, faiscavam com uma fúria que parecia incendiar o ar. Ao seu lado, Pedro, seu filho, ainda abalado pela revelação de sua paternidade, chorava em silêncio, o rosto enterrado nas mãos, enquanto Clara, com apenas 13 anos, olhava para a mãe com uma mistura de horror e desprezo. Antônio, com seus olhos azuis carregados de determinação, mantinha-se firme, o amor por Elias dando-lhe coragem para desafiar o mundo. A posse da Santo Inácio, que Ana Lúcia planejara como um triunfo de seu poder, desmoronava diante de seus olhos. Elias, com o rosário de Rodolfo pendurado no pescoço e o lenço de Cacilda apertado na mão, expusera os horrores que sofrera nas mãos dela: as noites de violência que geraram Pedro, a marcação a ferro quente, a humilhação de ser tratado como menos que humano. Cada palavra sua era uma lâmina, cortando o véu de mentiras que Ana sustentara por anos. Pedro, agora ciente da verdade, remoía-se em culpa, percebendo que sua arrogância e crueldade haviam sido espelhos das atitudes da mãe e do avô, Dom Gregório.                       

       





   Elias, bufando de ódio, avançou um passo, o corpo tremendo de rancor acumulado. —Eu JAMAIS vou perdoar você, Ana Lúcia, JAMAIS! — rugiu, a voz ecoando pelo salão como um trovão, cada sílaba carregada de 16 anos de tormento. —Que você viva em tormento! Que a morte te seja lenta e dolorosa e te faça sentir a dor que me infligiu por esses malditos 16 anos! — Seus olhos, vermelhos de lágrimas e fúria, pareciam perfurar a alma de Ana Lúcia, que, pela primeira vez, recuou, o rosto pálido, o orgulho em frangalhos. A praga de Elias era mais que palavras — era a justiça de um homem cuja humanidade fora roubada, mas que agora a reclamava com toda a força de sua alma. Ele virou-se para Antônio, o homem que o amara em segredo e lhe devolvera a dignidade. Seus olhos suavizaram, e, entre lágrimas, ele sussurrou: —Obrigado... por me ver como homem, por me salvar... — Antônio, com um nó na garganta, apenas assentiu, a mão tocando o ombro de Elias em um gesto de amor e apoio. Num gesto ousado, Antônio tomou a palavra, sua voz firme cortando o silêncio tenso do salão. —Eu cumpri minhas obrigações maritais, Ana, te dando dois filhos — disse, encarando a esposa com frieza. —Mas sei o que fizeste com Elias. É imperdoável! Ele dormirá no quarto de hóspedes enquanto estivermos aqui, e, quando voltarmos ao Rio, eu o levarei comigo. Elias será mordomo de Miguelzinho, mas, acima de tudo, será um homem livre, para se reconstruir como merece. 
   Ana Lúcia, com os lábios tremendo de raiva, tentou protestar, mas suas palavras morreram diante da determinação de Antônio. O casamento deles, já uma fachada sustentada por convenções, desmoronava ali, exposto como a farsa que sempre fora. Pedro, levantando-se, olhou para Ana Lúcia, sua mãe, os olhos marejados fixos na mãe. —O que a senhora fez com meu pai é imperdoável! — gritou, a voz rasgada pela culpa. —O que vovô fez com meu pai é imperdoável! O que EU fiz com meu pai é imperdoável! — Pedro, trêmulo, apontando para Ana Lúcia, afirmava convicto. —Eu fico nesta casa apenas porque sou tutor legal de Clara. Mas, após ela se casar — e farei ser muito em breve —, eu vou para a corte me encontrar com o meu pai, meu verdadeiro pai! Não ficarei com o legado de dor nas minhas mãos. Deixarei de ser um Almeida! - Clara, com lágrimas escorrendo pelo rosto, segurou a mão de Pedro, sua voz adolescente carregada de revolta. —Pedro, escolha um português, pelo amor de Deus! — disse, olhando para o irmão com determinação. —Quero ir embora, para Lisboa, quando me casar, para bem longe deste pesadelo! — Seu olhar, ao cruzar com o de Ana Lúcia, era de desprezo, um eco da bondade que ela sempre tivera, mas agora tingido pela decepção com a mãe. Ana Lúcia, sozinha no centro do salão, parecia encolher, o peso de sua crueldade finalmente a alcançando. Os fidalgos presentes, que antes a reverenciavam, agora cochichavam, seus olhares julgando-a em silêncio. Serafina, a governanta portuguesa, enxugava as lágrimas, murmurando uma prece. —Que Deus a julgue — pensava, enquanto via Elias, livre, mas marcado, erguer-se como um homem que sobrevivera ao inferno.

            



    Dias depois, Elias, Antônio e o pequeno Miguel preparavam-se para partir de volta ao Rio de Janeiro. Antes de deixar Pelotas, Elias pediu a Antônio que parasse a carruagem em frente à casa humilde de Carlos e Clementina. O reencontro com o irmão e o sobrinho, Elias Sobrinho, foi um momento de cura para sua alma ferida. Ele desceu da carruagem, o rosário de Rodolfo balançando contra o peito, e encarou Carlos, que o esperava com os olhos baixos, o remorso evidente. —Elias, eu não mereço teu perdão — começou Carlos, a voz falhando. —Mas tudo o que faço agora é pra honrar teu nome e o de nosso pai. - Elias, com o coração mais leve após a redenção com Pedro, respirou fundo. —Acima de todos, foi Deus quem te perdoou — disse, a voz suave, mas firme. —Eu vou te compreender e perdoar com o tempo, meu irmão. — Ele abraçou Carlos, um gesto que selava não o fim da dor, mas o início de uma reconciliação. Virando-se para Elias Sobrinho, agora com 15 anos, Elias sorriu, vendo no jovem a imagem de sua própria adolescência, antes da guerra, da escravidão, da dor. —Seja forte, menino! Cuide-se! — disse, beijando a testa do sobrinho. —Tu pareces tanto comigo quando jovem... o mesmo olhar, a mesma serenidade, a mesma feição. Só espero que a vida te seja mais generosa, meu sobrinho. — Elias Sobrinho, com lágrimas nos olhos, assentiu, segurando a mão do tio com orgulho. Clementina, com um sorriso maternal, abraçou Elias. —Tu és o filho que Cacilda sempre amou — disse, enxugando as lágrimas. —Vai, Elias, e vive como homem livre. — Elias, com o coração cheio, agradeceu, sentindo o amor de Cacilda ecoar na bondade de Clementina.
   No caminho para a corte, em uma parada em São Paulo para descanso e alimentação, a visão de um pequenino, de 5 anos de idade, emocionava Elias e seu amado Antônio. Era Lucas, um menino saído da infame roda dos enjeitados e de que ninguém se lembrava para a adoção. Ele pedia comida aos que estava na estalagem. Elias se apiedou do menino e Antônio entendeu o olhar do amado e chamou o menino. "Você não está mais sozinho, pequenino! Seguirá conosco!" Elias se emocionava com o gesto do amado e adotava Lucas como seu novo filho. Elias realizava assim um anseio esmagado por Ana Lúcia ao lhe negar acompanhar a criação de Pedro, com Lucas ele teria o prazer de ver um filho crescer e ser educado. Os dois se abraçavam fortemente, entendedores de seus dramas.
   Na carruagem, rumo ao Rio, Elias sentou-se ao lado de Antônio, enquanto Miguel, no colo de Serafina, balbuciava palavras infantis. Antônio segurou a mão de Elias, um gesto que agora não precisava ser escondido. —Tu és livre, Elias — disse, os olhos azuis brilhando com amor. —E, na corte, vamos construir uma vida juntos, como homens que se amam. Elias, olhando para o horizonte, segurou o rosário e o lenço, as lágrimas escorrendo pelo rosto. —Pai... Mãe Cacilda... eu consegui — murmurou. —Meu filho me chama de pai, e eu sou LIVRE, finalmente...LIVRE E agora, Deus me deu Lucas, uma BENÇÃO!. — A imagem de Pedro, agora aprendendo a ser um homem justo na Santo Inácio, e de Clara, sonhando com uma vida longe do legado dos Almeida, dava-lhe esperança. Ele sabia que Ana Lúcia viveria com o peso de sua culpa, e isso, para ele, era justiça suficiente. Na corte, Elias Mendonça, não mais o “Estorvo”, começaria a reconstruir sua vida como homem livre, com Antônio ao seu lado e a memória de Rodolfo e Cacilda como guias. Sua jornada, marcada por dor e redenção, era agora um testemunho de que, mesmo nas piores trevas, o amor e a verdade podem prevalecer.
Fim do Capítulo XV.
  



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