Elias, das sombras da escravidão à luz da liberdade. Capítulo 12- Carlos, o arrependimento e a redenção na figura de Elias Sobrinho.
Capítulo XII: A Semente da Redenção em Pelotas
Pelotas, Província do Rio Grande do Sul, Império do Brasil, 1844. Enquanto Elias Mendonça enfrentava sua dolorosa
jornada na corte imperial, a cidade de Pelotas, com suas ruas de paralelepípedos e o aroma de charqueadas, era o
palco de uma tentativa de redenção. Carlos Mendonça, agora livre do vício da cachaça, vivia com Clementina, a ama
alforriada da Fazenda Santo Inácio, numa casa modesta, mas acolhedora, onde criavam Elias Sobrinho, de 14 anos.
Longe da decadente Fazenda Santa Bárbara, Carlos buscava construir uma vida que honrasse a memória do irmão
sacrificado, Elias, e reparasse, ainda que simbolicamente, os erros do passado.
A Educação de Elias Sobrinho:
Carlos e Clementina dedicavam-se a educar Elias Sobrinho com valores que contrastavam radicalmente com a arrogância e a crueldade da família Mendonça. Desde cedo, contavam ao menino a história trágica de seu tio Elias, cuja liberdade fora roubada por Elvira, Anselmo e a própria cumplicidade inicial de Carlos. “Teu tio Elias é um homem forte, meu filho, mesmo que o mundo o chame de Estorvo! Ele foi o principal herdeiro do caráter de nosso pai!”, dizia Carlos, a voz embargada, enquanto segurava o ombro do menino. “Ele foi traído pela própria família, vendido como escravo, marcado como um bicho, mas nunca deixou de ser humano. Tu carrega o nome dele pra lembrar que a liberdade é o maior tesouro de um homem.” Clementina, com sua sabedoria forjada na senzala, complementava as lições. “Elias sofreu horrores, mas os pretos da senzala, como eu, o amaram como irmão. Respeita os mais fracos, meu pequeno, porque a força de verdade tá no coração.” Ela contava histórias de Cacilda, a “Mãe Preta” que deu a Elias o amor que Sinhá Elvira negou, e de Nhá Benedita e Zé Preto, que protegeram o “rei da senzala, o branco no corpo e preto na alma”. Essas narrativas moldavam Elias Sobrinho, instilando nele uma compaixão rara para sua idade. Aos 14 anos, Elias Sobrinho era um jovem de pele clara, olhos verdes e cabelos negros encaracolados, praticamente idêntico a seu tio e a seu primo Pedro, o herdeiro dos Almeida na corte. Mas, ao contrário de Pedro, cuja arrogância espelhava a de Ana Lúcia e Dom Gregório, Elias Sobrinho era humilde, respeitoso e sensível. Enquanto Pedro humilhava escravizados e chamava Elias de “Estorvo”, Elias Sobrinho aprendia a ajudar os vizinhos pobres de Pelotas, a tratar os trabalhadores das charqueadas com dignidade e a ouvir as histórias dos escravizados com empatia. “Quero ser como meu tio Elias, pai. Forte, mesmo nas piores horas”, dizia o menino, com uma determinação que emocionava Carlos.
O Arrependimento de Carlos como guia:
O arrependimento de Carlos era o alicerce dessa educação. Livre do álcool, ele transformara sua culpa em propósito. Cada lição dada a Elias Sobrinho era uma forma de expiar sua cumplicidade nas humilhações do passado. “Eu zombava do teu tio, filho. Ria quando o chamavam de Estorvo. Mas ele é meu irmão, e eu falhei com ele”, confessava, com lágrimas nos olhos. “Por isso, tu tens que ser diferente. A liberdade não é só não ter correntes; é tratar os outros como iguais.” Carlos trabalhava como escrevente numa firma de comércio, um ofício modesto, mas honesto, que sustentava a família. Ele evitava a ostentação dos Mendonça, vivendo com simplicidade e ensinando Elias Sobrinho o valor do trabalho e da justiça. Clementina, com sua força serena, reforçava essas lições. Como alforriada, ela conhecia o peso da senzala e a fragilidade da liberdade. “Teu pai carrega a dor do que fez, mas ele tá tentando ser um homem melhor. Tu, meu menino, tens a chance de fazer o certo desde o começo”, dizia, enquanto ensinava Elias Sobrinho a ler e escrever, habilidades que ela mesma conquistara com esforço. "Mãe Clementina, até nisto eu me espelho no Tio Elias, a senhora é a minha Mãe Cacilda!", dizia o rapazinho ao lembrar que ele também fora rejeitado pela mãe biológica e que uma "Mãe Cacilda" apareceu em seu caminhar. Clementina tinha os olhos marejados com o carinho do enteado.
O Contraste com Pedro:
A semelhança física entre Elias Sobrinho e Pedro era quase sobrenatural — os mesmos olhos verdes, os mesmos traços herdados de Rodolfo Mendonça. Mas suas almas não poderiam ser mais diferentes. Pedro, aos 15 anos, moldado pelo internato da corte, era arrogante, cruel com os escravizados e obcecado por negar sua semelhança com Elias, o “Estorvo”. Elias Sobrinho, por outro lado, era o oposto: um jovem que, aos 14 anos, já demonstrava uma maturidade incomum, guiado pelos valores de Carlos e Clementina. Enquanto Pedro via Elias como um objeto de desprezo, Elias Sobrinho sonhava em conhecer o tio, imaginando-o como um herói trágico. “Se eu pudesse, pai, eu ia pra corte salvar tio Elias”, dizia, com a ingenuidade de sua juventude. Carlos sorria da ingenuidade juvenil de Elias Sobrinho e bagunçava os cabelos do rapazinho: "Não se pode ir para a corte, mas pode-se honrar a figura do teu tio ajudando quem precisa aqui em Pelotas."
O Legado de Elias Mendonça
A educação de Elias Sobrinho era, em essência, uma extensão do legado de Elias Mendonça. Embora Elias, na corte, não soubesse da existência de seu sobrinho ou do arrependimento de Carlos, suas lutas e sua resiliência ecoavam em Pelotas. Cada história contada por Carlos e Clementina — da coragem de Elias na Guerra da Cisplatina, de sua resistência na senzala, de seu amor por Cacilda e Rodolfo, do horror de sua transição de homem livre a homem escravizado e marcado — transformava Elias Sobrinho num portador de sua memória. O menino, ao carregar o nome do tio, também carregava a responsabilidade de honrar sua dignidade, negada pelo mundo. Carlos, ao olhar para o filho, via uma chance de redenção. “Tu és a prova de que podemos ser melhores, meu pequeno”, dizia, abraçando Elias Sobrinho. Ele sabia que não podia desfazer o passado, mas esperava que, ao criar um jovem justo e compassivo, estivesse, de alguma forma, pedindo perdão a Elias. Clementina, com sua sabedoria, completava: “O sofrimento do teu tio não foi em vão, Carlos. Ele tá vivo no nosso menino.
Impacto Narrativo:
O contraste entre Elias Sobrinho e Pedro reforça a tragédia de Elias Mendonça, cuja paternidade é negada na corte, mas cuja influência, indiretamente, molda uma nova geração em Pelotas. A transformação de Carlos, de cúmplice passivo a pai arrependido, adiciona uma camada de esperança à narrativa, mostrando que o ciclo de crueldade pode ser quebrado. Elias Sobrinho, como oposto de Pedro, representa o que Elias poderia ter sido com amor e liberdade, mas também o que Pedro poderia ter sido sem a influência tóxica de Ana Lúcia. A educação do menino em Pelotas é um contraponto à opressão da corte, sugerindo que, mesmo em meio à dor, a verdade e a justiça podem encontrar um caminho. Na corte, Elias, aos 37 anos, continua sua luta silenciosa, sem saber que, em Pelotas, seu nome é honrado por um sobrinho que carrega sua história. Enquanto Pedro o chama de “Estorvo”, Elias Sobrinho o chama de “herói”, e essa dualidade amplifica a complexidade da narrativa, mantendo viva a possibilidade de redenção, mesmo que Elias ainda não a veja.
Nota Final:
A história de Elias Sobrinho e Carlos em Pelotas é um lembrete de que o arrependimento, quando transformado em ação, pode semear mudanças. Para Elias Mendonça, preso na corte, essa redenção está fora de alcance, mas a existência de seu sobrinho é uma luz distante, um eco de sua própria resiliência, que talvez, um dia, possa alcançá-lo.
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