Isaquias, o craque - Cap (5)

   Isaquias continuava sua trajetória no Flamengo, onde cada jogo era uma chance de calar os fantasmas do passado. O trauma do Fortaleza, embora nunca apagado, parecia se aquietar no calor do Rio, onde ele encontrava espaço para respirar. A torcida rubro-negra, exigente e apaixonada, o adotava como seu novo xodó, encantada com sua entrega e talento. Robertinho, o veterano que ele substituíra na estreia, via no garoto um reflexo de sua própria juventude e o incentivava com a generosidade de quem já vivera o auge. Após um treino, enquanto arrumavam os cones, Robertinho deu um sorriso largo. — Vai, garoto, a vaga é tua. Eu termino o Carioca no banco, sem crise. Isaquias, ainda tímido, hesitou antes de deixar escapar a curiosidade que o corroía. — Robertinho? Você e o Fernando... Robertinho soltou uma gargalhada, percebendo o brilho nos olhos de Isaquias. — Ai, ai, percebi no teu olhar, moleque! Sim, eu e o Fernando somos namorados. Tô indo pro Flu pra ficar perto dele. Minha carreira tá quase no fim, e ele quer dar um tempo, mas a torcida do Fluminense não deixa. O cara conquistou Copa do Brasil, Brasileiro, Libertadores... Eles idolatram o Fernando, e o Chiquinho, o reserva, ainda tá verde, que nem tu quando chegou.
    Isaquias ficou em silêncio, absorvendo as palavras. Fernando, o goleiro que enfrentava xingamentos com coragem, e Robertinho, um ídolo do Flamengo, viviam abertamente como casal. O Rio, com sua energia caótica e libertária, mostrava a Isaquias um mundo onde ser quem ele era, embora desafiador, era possível. Pela primeira vez, ele sentiu que talvez pudesse encontrar um lugar onde não precisasse se esconder. Encantado com a autenticidade do casal, Isaquias começou a frequentar a casa de Robertinho e Fernando em Ipanema, um apartamento com janelas amplas e vista para o mar. Lá, ele era recebido com calor e histórias. Fernando, com seu jeito acolhedor, contava sobre figuras como João do Rio, o cronista carioca que desafiara as normas no início do século XX, e Chris Dickerson, o bodybuilder gay e negro que conquistara o Mr. Olympia. Ele falava com carinho, como fazia com os jovens gays da base do Fluminense, incentivando-os a se orgulharem de si mesmos. Robertinho, mais brincalhão, adicionava comentários sarcásticos que arrancavam risadas. — Aqui, Zaquias, a gente vive do jeito que é. Não é moleza, mas é nosso — dizia Fernando, enquanto servia um café, o som das ondas ao fundo. Nessas conversas, Isaquias sentia o peso do trauma de Fortaleza se aliviar. O carinho do casal era como um abraço que ele não sabia que precisava. Ele começava a enxergar sua identidade não como uma vergonha, mas como uma parte de si que podia ser celebrada, mesmo que ainda em segredo.
   O Campeonato Carioca chegou ao clímax numa final eletrizante contra o Vasco, no Maracanã lotado. Isaquias, agora titular incontestável, entrou em campo com a confiança de quem sabia seu valor. O Flamengo venceu por 2 a 0, com um gol de Robertinho no primeiro tempo, numa cobrança de falta precisa, e outro de Isaquias no segundo, numa jogada que mostrou sua genialidade. Ele recebeu a bola no meio-campo, driblou dois marcadores com um corte seco e chutou colocado, no ângulo, sem chances para o goleiro. O estádio explodiu, e a torcida rubro-negra cantava seu nome. Quando o apito final soou, Isaquias foi eleito o Craque Revelação do campeonato, e nas arquibancadas, um bandeirão tremulava com orgulho: “O Menino de Ferro do Crato”, uma homenagem às suas raízes no Ferroviário e na cidade que o moldara.
   Nas folgas entre o Carioca e o Brasileiro, Isaquias passou três dias na casa de Robertinho e Fernando em Ipanema, um bairro que pulsava liberdade. Foram dias de conversas profundas, risadas e reflexões sobre a vida. Numa noite, enquanto caminhavam pelo calçadão, pararam num quiosque à beira-mar. Lá, Isaquias conheceu Mauro, um atendente cearense de pele bronzeada e sorriso aberto, que o reconheceu na hora.— Tu é o Isaquias, né? Sou fã, cara! Vejo todos os jogos! — disse Mauro, com o sotaque que lembrava o Crato. Isaquias sorriu, sentindo uma conexão instantânea. Eles conversaram por horas, Mauro contando sua própria história de deixar o Ceará em busca de uma vida melhor. Numa madrugada, sob o céu estrelado nas areias de Ipanema, a conversa ficou mais íntima. Seus olhares se cruzaram, e, num impulso, eles se beijaram, o som das ondas abafando o mundo ao redor. Pela primeira vez desde Henrique, Isaquias sentiu o coração leve, como se pudesse amar sem medo. De volta ao apartamento, ele pegou o celular e mandou uma mensagem para Ezequiel, com um sorriso que há muito não aparecia. — Quiel, tô amando viver no Rio.
  Isaquias, o menino de ferro do Crato, estava, aos poucos, encontrando seu lugar, renovado pela promessa de um futuro onde pudesse ser ele mesmo, mesmo que o caminho ainda guardasse sombras. 

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