A Tríade dos "Diabos do Olho Azul" Cap 19 - A fuga para a Serra Azul - Mauro lidera mais de cinquenta.
A Fuga para a Liberdade
Fazenda Real de Santa Cruz, Rio de Janeiro, Março de 1865A Fazenda Real de Santa Cruz, com seus cafezais vastos e a casa-grande imponente, era um símbolo de opressão, mas também um campo de batalha onde Mauro de Albuquerque, aos 20 anos, forjava sua lenda. Em pouco mais de um ano na senzala, ele se tornara um estrategista brilhante, combinando a astúcia de seu avô Baltazar e a bravura de seu pai Jamil. Sua pele moreno jambo reluzia sob o sol, os cabelos encaracolados dançavam ao vento, e os olhos azuis, herança dos “Diabos do Olho Azul”, brilhavam com uma determinação que inspirava a escravaria e aterrorizava os capatazes.Mauro observava cada detalhe da fazenda: os turnos dos feitores, as brechas na vigilância, os pontos fracos dos opressores. Ele sabia que Tião Galinha, o “Cão dos Brancos”, era o maior obstáculo para qualquer fuga. Mas também conhecia suas fraquezas: a cachaça que embotava seus sentidos e a paixão por mulheres que o distraía. Com a ajuda de Séo Bastião e Nhá Setembrina, Mauro tramou um plano audacioso, digno de um Odé de Oxóssi.
A Oferenda a ExuNuma noite sem lua, a senzala transformou-se num terreiro secreto. Séo Bastião, com os cabelos brancos brilhando à luz da fogueira, traçou pembas no chão, enquanto Nhá Setembrina preparava uma oferenda farta para Exu, o orixá protetor de Tião Galinha, cuja força garantira suas vitórias nas caçadas. Sobre uma esteira, colocaram alguidares com carnes de porco grelhadas, farofa temperada, cachaça da melhor qualidade e charutos, tudo disposto com respeito e intenção.— Exu vai estar tão ocupado saboreando as carnes e a cachaça que vai deixar Tião na mão das mucamas! — disse Séo Bastião, rindo com gosto, os olhos brilhando com malícia.Nhá Setembrina, ajustando o colar de contas, deu uma risadinha.— Esse Cão dos Brancos não vai nem sentir o chão sumir debaixo dele! — completou, batendo palmas.
Neutralizando a proteção de Exu sobre seu elegido e se aproveitando das fraquezas de Tião Galinha, o trio garantia o caminho aberto para a liberdade. Mauro, ao lado, riu junto, os olhos azuis faiscando com a confiança de que o plano estava no curso certo. Ele sabia que a oferenda não era apenas um truque — era um respeito aos orixás, uma forma de equilibrar as forças espirituais para abrir o caminho da liberdade.
O Plano das MucamasMauro reuniu as mucamas mais belas e astutas da casa-grande, mulheres que, por sua proximidade com Sinhá Inês, tinham certos privilégios, mas também carregavam o peso da escravidão. Ele as encontrou num canto da lavanderia, falando baixo, com a autoridade de um líder, mas a humildade de um irmão.— Sei que vocês não querem nos seguir, pelos favores que conseguiram na fazenda — começou Mauro, os olhos sinceros. — Mas podem nos ajudar. Levem o Cão dos Brancos pro quarto e tranquem-no lá!As mucamas trocaram olhares, algumas hesitantes, outras sorrindo com cumplicidade. Uma delas, chamada Zefa, alta e de olhos vivos, assentiu.— Pelo filho de Jamil, a gente faz, Mauro — disse, a voz firme. — Tião não vai nem perceber o que o acertou.Mauro apertou a mão de Zefa, grato.— Oxóssi vai guardar vocês — prometeu.Naquela noite, as mucamas puseram o plano em ação. Vestidas com suas melhores saias, elas atraíram Tião Galinha para a feitoria com sorrisos e promessas sussurradas. A cachaça, estrategicamente oferecida, fluiu em abundância, e Tião, embriagado e encantado, seguiu-as até um quarto isolado. Quando a porta se fechou, Zefa girou a chave, trancando-o lá dentro. Ela correu até a senzala, acenando para Mauro.— O Cão dos Brancos tá dormindo pesado! — gritou, rindo. — Vai roncar até o sol raiar!
A FugaMauro, posicionado na porta da senzala, sentiu o momento chegar. Ele ergueu a cabeça, os olhos azuis brilhando como faróis, e soltou o brado ancestral de seu pai, um chamado que ecoou pelas matas:— KIIIIIIUUUUUU!O som foi o sinal. Mais de cinquenta escravizados — homens, mulheres e adolescentes — saíram correndo da senzala, carregando facões, trouxas de roupas e a esperança de liberdade. Séo Bastião, apesar da idade avançada, liderava o grupo com vigor, sua figura imponente guiando o caminho pelas trilhas escuras dos cafezais. Mauro, estrategista, ficou por último, garantindo que ninguém fosse deixado para trás.Antes de partir, ele parou diante de Nhá Setembrina, que permanecia na porta da senzala, os olhos marejados. Ela segurou o rosto de Mauro, as mãos calejadas cheias de carinho.— Devo ficar, menino — disse, a voz suave, mas firme. — Sinhá Inês e as meninas precisam de mim.Mauro franziu o cenho, confuso com a gratidão da preta velha por uma patroa tão cruel, fruto de anos de confidências trocadas na intimidade da casa-grande. Mas ele respeitou sua escolha, inclinando a cabeça.— Nhá Setembrina, tu és nossa mãe — murmurou. — Oxóssi te guarde.Nhá Setembrina sorriu, uma lágrima escorrendo.— Vai, Mauro. Faz o que Jamil sonhou todos estes anos. Tu és o Odé que ele prometeu.Mauro assentiu, virando-se para a mata. Com um último olhar para a senzala, ele correu, juntando-se ao grupo que desaparecia na escuridão.
O Sonho de JamilA fuga foi um sucesso. Guiados pela astúcia de Mauro e pela proteção de Oxóssi, os cinquenta escravizados atravessaram as matas cariocas, encontrando refúgio numa encosta remota, onde começariam a construir um novo quilombo. Era o sonho de Jamil, o “Diabo do Olho Azul”, que Mauro agora tornava realidade. Homens erguiam palhoças, mulheres organizavam os mantimentos roubados, e adolescentes vigiavam os arredores, todos unidos pela liderança de Mauro.Séo Bastião, sentado numa pedra, olhou para Mauro, que traçava planos para o futuro do quilombo, e sorriu.— Teu pai tá orgulhoso, menino — disse, a voz grave. — Tu és mais que Jamil. Tu és o rei que Oxóssi mandou.Mauro, com os olhos azuis fixos no horizonte, sentiu o vento das matas acariciar seu rosto, como se Jamil e Baltazar, encantados como Odés, o abençoassem. Ele sabia que a luta estava longe de acabar — Sinhá Inês, Dom Belchior e Tião Galinha não desistiriam tão fácil. Mas, naquele momento, o quilombo nascente era a prova de que o sangue de Oxóssi não se curvava.
A Lenda ContinuaNa Fazenda Real de Santa Cruz, a notícia da fuga incendiou a casa-grande. Sinhá Inês, furiosa, quebrou uma cristaleira, enquanto Dom Belchior prometia recompensas pela captura dos fugitivos. Tião Galinha, acordando com a cabeça latejando no quarto trancado, Lamentou-se com Exu — Por que me abandonaste, meu Rei? Os cretinos se anteciparam! — e reconhecia sua impotência diante de Oxóssi e Iansã, sabendo que fora derrotado mais uma vez pelo “Diabinho do Olho Azul”.— O pequeno Diabo herdou a rebeldia do pai e a aliou com a astúcia herdada da mãe! Desgraçado!Na senzala, Nhá Setembrina, sozinha, acendeu uma vela para Oxóssi e outra para Iansã, sorrindo. Ela sabia que Mauro cumpriria seu destino, liderando seu povo para a liberdade. As matas cariocas, com seus sussurros ancestrais, ecoavam o brado de Mauro, um sinal de que a saga do “Diabo do Olho Azul” estava viva, agora nas mãos de um novo Odé, pronto para desafiar o Império. Baltazar e Jamil iluminavam o seu descendente.
A Oferenda a ExuNuma noite sem lua, a senzala transformou-se num terreiro secreto. Séo Bastião, com os cabelos brancos brilhando à luz da fogueira, traçou pembas no chão, enquanto Nhá Setembrina preparava uma oferenda farta para Exu, o orixá protetor de Tião Galinha, cuja força garantira suas vitórias nas caçadas. Sobre uma esteira, colocaram alguidares com carnes de porco grelhadas, farofa temperada, cachaça da melhor qualidade e charutos, tudo disposto com respeito e intenção.— Exu vai estar tão ocupado saboreando as carnes e a cachaça que vai deixar Tião na mão das mucamas! — disse Séo Bastião, rindo com gosto, os olhos brilhando com malícia.Nhá Setembrina, ajustando o colar de contas, deu uma risadinha.— Esse Cão dos Brancos não vai nem sentir o chão sumir debaixo dele! — completou, batendo palmas.
Neutralizando a proteção de Exu sobre seu elegido e se aproveitando das fraquezas de Tião Galinha, o trio garantia o caminho aberto para a liberdade. Mauro, ao lado, riu junto, os olhos azuis faiscando com a confiança de que o plano estava no curso certo. Ele sabia que a oferenda não era apenas um truque — era um respeito aos orixás, uma forma de equilibrar as forças espirituais para abrir o caminho da liberdade.
O Plano das MucamasMauro reuniu as mucamas mais belas e astutas da casa-grande, mulheres que, por sua proximidade com Sinhá Inês, tinham certos privilégios, mas também carregavam o peso da escravidão. Ele as encontrou num canto da lavanderia, falando baixo, com a autoridade de um líder, mas a humildade de um irmão.— Sei que vocês não querem nos seguir, pelos favores que conseguiram na fazenda — começou Mauro, os olhos sinceros. — Mas podem nos ajudar. Levem o Cão dos Brancos pro quarto e tranquem-no lá!As mucamas trocaram olhares, algumas hesitantes, outras sorrindo com cumplicidade. Uma delas, chamada Zefa, alta e de olhos vivos, assentiu.— Pelo filho de Jamil, a gente faz, Mauro — disse, a voz firme. — Tião não vai nem perceber o que o acertou.Mauro apertou a mão de Zefa, grato.— Oxóssi vai guardar vocês — prometeu.Naquela noite, as mucamas puseram o plano em ação. Vestidas com suas melhores saias, elas atraíram Tião Galinha para a feitoria com sorrisos e promessas sussurradas. A cachaça, estrategicamente oferecida, fluiu em abundância, e Tião, embriagado e encantado, seguiu-as até um quarto isolado. Quando a porta se fechou, Zefa girou a chave, trancando-o lá dentro. Ela correu até a senzala, acenando para Mauro.— O Cão dos Brancos tá dormindo pesado! — gritou, rindo. — Vai roncar até o sol raiar!
A FugaMauro, posicionado na porta da senzala, sentiu o momento chegar. Ele ergueu a cabeça, os olhos azuis brilhando como faróis, e soltou o brado ancestral de seu pai, um chamado que ecoou pelas matas:— KIIIIIIUUUUUU!O som foi o sinal. Mais de cinquenta escravizados — homens, mulheres e adolescentes — saíram correndo da senzala, carregando facões, trouxas de roupas e a esperança de liberdade. Séo Bastião, apesar da idade avançada, liderava o grupo com vigor, sua figura imponente guiando o caminho pelas trilhas escuras dos cafezais. Mauro, estrategista, ficou por último, garantindo que ninguém fosse deixado para trás.Antes de partir, ele parou diante de Nhá Setembrina, que permanecia na porta da senzala, os olhos marejados. Ela segurou o rosto de Mauro, as mãos calejadas cheias de carinho.— Devo ficar, menino — disse, a voz suave, mas firme. — Sinhá Inês e as meninas precisam de mim.Mauro franziu o cenho, confuso com a gratidão da preta velha por uma patroa tão cruel, fruto de anos de confidências trocadas na intimidade da casa-grande. Mas ele respeitou sua escolha, inclinando a cabeça.— Nhá Setembrina, tu és nossa mãe — murmurou. — Oxóssi te guarde.Nhá Setembrina sorriu, uma lágrima escorrendo.— Vai, Mauro. Faz o que Jamil sonhou todos estes anos. Tu és o Odé que ele prometeu.Mauro assentiu, virando-se para a mata. Com um último olhar para a senzala, ele correu, juntando-se ao grupo que desaparecia na escuridão.
O Sonho de JamilA fuga foi um sucesso. Guiados pela astúcia de Mauro e pela proteção de Oxóssi, os cinquenta escravizados atravessaram as matas cariocas, encontrando refúgio numa encosta remota, onde começariam a construir um novo quilombo. Era o sonho de Jamil, o “Diabo do Olho Azul”, que Mauro agora tornava realidade. Homens erguiam palhoças, mulheres organizavam os mantimentos roubados, e adolescentes vigiavam os arredores, todos unidos pela liderança de Mauro.Séo Bastião, sentado numa pedra, olhou para Mauro, que traçava planos para o futuro do quilombo, e sorriu.— Teu pai tá orgulhoso, menino — disse, a voz grave. — Tu és mais que Jamil. Tu és o rei que Oxóssi mandou.Mauro, com os olhos azuis fixos no horizonte, sentiu o vento das matas acariciar seu rosto, como se Jamil e Baltazar, encantados como Odés, o abençoassem. Ele sabia que a luta estava longe de acabar — Sinhá Inês, Dom Belchior e Tião Galinha não desistiriam tão fácil. Mas, naquele momento, o quilombo nascente era a prova de que o sangue de Oxóssi não se curvava.
A Lenda ContinuaNa Fazenda Real de Santa Cruz, a notícia da fuga incendiou a casa-grande. Sinhá Inês, furiosa, quebrou uma cristaleira, enquanto Dom Belchior prometia recompensas pela captura dos fugitivos. Tião Galinha, acordando com a cabeça latejando no quarto trancado, Lamentou-se com Exu — Por que me abandonaste, meu Rei? Os cretinos se anteciparam! — e reconhecia sua impotência diante de Oxóssi e Iansã, sabendo que fora derrotado mais uma vez pelo “Diabinho do Olho Azul”.— O pequeno Diabo herdou a rebeldia do pai e a aliou com a astúcia herdada da mãe! Desgraçado!Na senzala, Nhá Setembrina, sozinha, acendeu uma vela para Oxóssi e outra para Iansã, sorrindo. Ela sabia que Mauro cumpriria seu destino, liderando seu povo para a liberdade. As matas cariocas, com seus sussurros ancestrais, ecoavam o brado de Mauro, um sinal de que a saga do “Diabo do Olho Azul” estava viva, agora nas mãos de um novo Odé, pronto para desafiar o Império. Baltazar e Jamil iluminavam o seu descendente.
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