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Mostrando postagens de julho, 2025

Isaquias, o craque - Último Capítulo.

       Mauro, o cearense que cruzara o caminho de Isaquias numa madrugada nas areias de Ipanema, reapareceu em Fortaleza anos depois, como se o destino insistisse em entrelaçar suas histórias. Ele havia deixado o Rio, onde trabalhava como atendente de quiosque, e retornado ao Ceará em busca de novas oportunidades, trazendo consigo o mesmo sorriso aberto e o sotaque que lembrava o Crato. Quando soube que Isaquias, agora uma figura respeitada e patrocinador das categorias de base do Ferroviário, estava de volta à cidade, Mauro não hesitou em procurá-lo. O reencontro aconteceu numa tarde no campo do Ferroviário, onde Isaquias acompanhava um treino das meninas sub-15. Mauro apareceu de surpresa, vestindo uma camisa do clube e segurando uma garrafa d’água, como se o tempo não tivesse passado. Isaquias, ao vê-lo, sentiu o coração acelerar, uma mistura de nostalgia e curiosidade. — Tu por aqui, Mauro? — perguntou, com um sorriso tímido, enxugando o suor da testa. ...

Isaquias, o craque - Cap (7)

      A rescisão do contrato de Reginaldo com o Flamengo veio como um alívio silencioso para Isaquias, mas também com um gosto amargo. A diretoria, habilidosa em proteger a imagem do clube, abafou o caso, evitando que a denúncia de Isaquias desencadeasse uma investigação mais ampla nas categorias de base do futebol brasileiro. A justificativa oficial foi “descumprimento de normas internas”, e Reginaldo desapareceu do radar do Flamengo sem alarde.      Para Isaquias, a saída do zagueiro era uma vitória, mas a falta de uma justiça plena deixou um vazio. Ele carregava a sensação de que o sistema, mais uma vez, protegera os culpados em nome da conveniência. Mesmo assim, com um nó na garganta e enfrentando seus demônios internos, Isaquias seguiu em frente. Nos seis anos seguintes, ele se consolidou como um dos grandes nomes do Flamengo. No meio-campo, sua visão de jogo e habilidade o transformaram em ídolo, com a torcida cantando “O Menino de Ferro do Cr...

Isaquias, o craque - Cap (6)

    Os dias de leveza no Rio, onde Isaquias começava a se reconciliar consigo mesmo, desmoronaram como um castelo de areia diante de uma onda. A chegada de Reginaldo ao Flamengo, anunciado como reforço para a zaga, trouxe de volta o pesadelo que ele tentava enterrar. O zagueiro, com seu sorriso cínico e postura arrogante, parecia uma maldição reencarnada. No primeiro treino, Reginaldo cruzou o campo e, ao passar por Isaquias, sussurrou com veneno:  — Oi, bichinha do Ferrinho!    As palavras acertaram Isaquias como um soco. A cena do sítio em Fortaleza — a violência, a humilhação, o desespero — voltou à sua mente com uma clareza cruel. Ele sentiu o corpo tremer, o ar faltar, enquanto Reginaldo se afastava, rindo como se nada tivesse acontecido. “Justo agora? Desgraçado, desta vez eu te mato!”, pensou Isaquias, a raiva queimando em seu peito. O desejo de vingança se tornou uma obsessão. Ele não conseguia treinar, dormir ou pensar em outra coisa. Matar Regi...

Isaquias, o craque - Cap (5)

   Isaquias continuava sua trajetória no Flamengo, onde cada jogo era uma chance de calar os fantasmas do passado. O trauma do Fortaleza, embora nunca apagado, parecia se aquietar no calor do Rio, onde ele encontrava espaço para respirar. A torcida rubro-negra, exigente e apaixonada, o adotava como seu novo xodó, encantada com sua entrega e talento. Robertinho, o veterano que ele substituíra na estreia, via no garoto um reflexo de sua própria juventude e o incentivava com a generosidade de quem já vivera o auge. Após um treino, enquanto arrumavam os cones, Robertinho deu um sorriso largo. — Vai, garoto, a vaga é tua. Eu termino o Carioca no banco, sem crise. Isaquias, ainda tímido, hesitou antes de deixar escapar a curiosidade que o corroía. — Robertinho? Você e o Fernando... Robertinho soltou uma gargalhada, percebendo o brilho nos olhos de Isaquias. — Ai, ai, percebi no teu olhar, moleque! Sim, eu e o Fernando somos namorados. Tô indo pro Flu pra ficar perto dele....

Isaquias, o craque - Cap (4)

   Isaquias chegou ao Rio em 2026 com o peso do mundo nos ombros, mas também com uma determinação silenciosa. O Flamengo o recebeu como uma joia bruta, e ele se jogou nos treinos como se cada chute, cada  corrida, pudesse apagar as cicatrizes que carregava. No Ninho do Urubu, o CT do clube, ele suava até cair, driblava cones como se fossem fantasmas do passado, e marcava gols que faziam os técnicos sussurrarem: "Esse menino é especial." Aos 19 anos, ele subiu rápido do sub-23 para o elenco principal, e a torcida rubro-negra, sempre faminta por ídolos, logo o adotou. "Zaquias, o matador!" gritavam nas arquibancadas, e ele retribuía com raça e talento, mesmo que, por dentro, ainda lutasse contra o silêncio que o trauma impusera.      O grande teste veio num Fla-Flu no Maracanã, o clássico que para o Rio de Janeiro. Era uma noite quente de 2027, o estádio pulsando com mais de 60 mil vozes, as bandeiras tremulando como um mar vermelho e preto de um lado,...

Isaquias, o craque - Cap (3) - Obs: TEXTO COM CENAS FORTES.

  No sub-20 do Fortaleza, um dos times mais competitivos do Brasil, Isaquias começou a sentir na pele a dureza de se firmar no futebol. No meio-campo, a concorrência era feroz, com outras promessas de craques disputando cada vaga. Muitas vezes, ele ficava no banco ou sequer era relacionado para os jogos. Mas, com a subida rápida de garotos que atingiam a idade limite, as chances começaram a aparecer. Ao assumir a titularidade no sub-20, Isaquias também passou a revezar com o time sub-23. No sub-23, ele se destacava como um camisa 10 promissor, brilhando em várias partidas e mostrando o talento que o levara até ali. Volta e meia, era o craque do jogo, comandando o meio-campo com inteligência e habilidade. Um momento inesquecível veio na semifinal do Brasileirão de Aspirantes, contra o Flamengo. Naquele dia, Isaquias enlouqueceu a defesa rubro-negra, driblando, criando jogadas e fazendo o Castelão explodir de emoção. O Fortaleza venceu por 2 a 0, com os gols nascendo de lanc...

Isaquias, o craque - Cap (2)

  O sol queimava o gramado do estádio Alcides Santos, em Fortaleza, enquanto a torcida do Ferroviário gritava em êxtase. Era a final da Taça Brasil sub-17, e Isaquias, com a camisa 10 nas costas, corria como se o destino da família dependesse de cada drible. Aos 16 anos, ele já era o coração do time, o menino de Crato que transformava a seca da vida em gols. No último minuto, com o placar empatado, ele recebeu a bola na entrada da área, driblou dois zagueiros com a leveza de um dançarino e chutou — a bola voou como uma flecha, explodindo no ângulo do goleiro adversário. O estádio veio abaixo. Isaquias caiu de joelhos, as mãos no rosto, enquanto lágrimas de alívio e orgulho escorriam. O Ferroviário era campeão, e ele, o craque da conquista.   Dias depois, o telefone da casa simples na favela tocou. Era um dirigente do Fortaleza, o Leão do Pici, o gigante da capital. "Isaquias, cê é ouro puro. Queremos você no nosso elenco sub-20, e as luvas são boas o suficiente pra mud...

Isaquias, o craque - Cap (1)

  O sol castigava o Crato com um calor que parecia derreter até as esperanças. A terra rachada, como a pele calejada de Sebastiana, contava histórias de luta e escassez. Na pequena casa de taipa, onde o vento entrava pelas frestas e trazia mais poeira que alívio, Sebastiana, uma mulher de olhos fundos e mãos calejadas, juntava os cacos de uma vida partida ao meio. Severino, seu marido, havia virado as costas para a família, carregando consigo a culpa e a promessa de um recomeço em São Paulo. “Não quero mais cavar terra e fazer filho, Tiana. Não é justo pra nós dois”, dissera ele, com a voz embargada, antes de sumir na estrada poeirenta.  Sebastiana, agora viúva de um marido vivo, segurava as rédeas de quatro filhos com a força de quem não tinha escolha. Isaquias, o filho do meio, de 14 anos, tinha os olhos castanhos cheios de sonhos e uma habilidade rara com a bola nos pés. Era magro, de pernas ligeiras, com um jeito de driblar que parecia dançar com o vento. Ezequiel,...

A Tríade dos "Diabos do Olho Azul" - Cap 21 - O legado dos Odés e a influência presente no Rio atual. ( Capítulo Final )

  O Triunfo da Liberdade Rio de Janeiro, Império do Brasil, 1888 Em 13 de maio de 1888, a Lei Áurea foi assinada pela Princesa Isabel, pondo fim à escravidão no Brasil. A notícia ecoou como um trovão pelas matas cariocas, alcançando os dois quilombos que resistiram ao jugo do Império: o da Serra do Mendanha, fundado por Baltazar, o primeiro “Diabo do Olho Azul”, e o da Serra Azul, erguido por Mauro, seu neto. Nos dois refúgios, a alegria explodiu em cânticos, tambores e danças, uma celebração que unia gerações de luta e esperança. Na Serra Azul, agora um vilarejo próspero com casas de adobe, roças fartas e uma comunidade unida, Jamil Neto, aos 19 anos, liderava as festividades. Com pele retinta como a de seu bisavô Baltazar e olhos castanhos profundos, herança de sua mãe Carolina, ele erguia uma fogueira no centro da praça, cercado por Séo Bastião, agora curvado pela idade, e Carolina, que aos 40 anos mantinha a força de uma rainha. Malvina, sua irmã, aos 22 anos, dançava ao som do...