Sambas da Vida! As histórias do Morro da Conceição e de sua gente! Ato final - Teobaldo reconquista Rosário e vira um novo homem.

 " Me cansei de ficar mudo sem tentar Sem falar
 Mas não posso deixar tudo como está
 Como está você?
Tô vivendo por viver
 Tô cansada de chorar
 Não sei mais o que fazer
 Você tem que me ajudar
 Tá difícil esquecer
 Impossível não lembrar você
 E você como está?
Com o fim do nosso amor, eu também tô por aí
 Eu não sei pra onde vou
 Quantas noites sem dormir
 Alivia minha dor e me faça, por favor, sorrir
 Vem pros meus braços, meu amor, meu acalanto
  Leva esse pranto pra bem longe de nós dois
 Não deixe nada pra depois
 É a saudade que me diz
 Que ainda é tempo pra viver feliz
Vem pros meus braços, meu amor, meu acalanto
 (meu amor, meu acalanto)
 Leva esse pranto pra bem longe de nós dois
 Não deixe nada pra depois
 É a saudade que me diz
 Que ainda é tempo pra viver feliz. 
(Ainda é tempo pra viver feliz - Sombrinha, Arlindo Cruz, Sombra - 1999)
   Em 2036, o Morro da Conceição continuava a pulsar com suas histórias, suas ladeiras e sua música, que nunca se calava. O Bar do Heleninho, herdeiro do velho Bar do Helênico Português, mantinha a alma do morro viva, e a jukebox, agora uma máquina reluzente com tecnologia de ponta, tocava “Ainda é Tempo Pra Ser Feliz”, de Sombra, Sombrinha e Arlindo Cruz, nas vozes de Zeca Pagodinho e Beth Carvalho. “Vem pros meus braços, meu amor, meu acalanto / Leva esse pranto pra bem longe de nós dois”, cantavam eles, e os versos pareciam embalar o coração de Rosário, agora com 56 anos, que, após uma década sem José Pinheiro, transformara sua vida com a força de quem aprende a renascer das cinzas.
   Rosário, sentada à mesa do bar, sorria com um brilho que há muito não se via. Seus filhos, agora adultos, eram sua maior vitória. Renato, aos 34 anos, era funcionário da Light, já na área administrativa, casado com Maria Isabel, uma mulher de riso fácil e coração generoso. Eles tinham dois filhos, Reginaldo – homônimo do amigo que marcara o morro com sua resiliência – e Dulce, duas crianças que enchiam a casa de Rosário de gritinhos e bagunça nas tardes de domingo. Cassiano, aos 32, escolhera São Paulo como lar, onde encontrara Rodrigo, um figurinista talentoso. Juntos, formavam uma dupla imbatível, tanto na vida pessoal quanto nos palcos, criando cenários e figurinos que encantavam o público. Rodrigo, o caçula, agora com 30 anos, era professor de Português e casado com Elizângela, uma cabrocha passista que incendiava as quadras do morro com sua energia. Cada formatura, cada conquista dos filhos, era como se José Pinheiro, lá do céu, brindasse com um sorriso e uma Brahma celestial.
   Mas a noite no Bar do Heleninho trazia uma surpresa que nem o mais otimista sambista do morro poderia prever. Teobaldo, agora com 59 anos, reapareceu. Não era mais o cafajeste de outrora, com o charme arrogante e as promessas vazias. O homem que entrou no bar tinha o olhar cansado, mas limpo, os ombros curvados pelo peso dos anos e, pela primeira vez, uma sinceridade que Rosário nunca vira. Ele estava sóbrio, transformado, como se a vida, em suas voltas tortuosas, tivesse finalmente o ensinado algo. “Rosário,” começou ele, hesitante, parado perto da mesa, “eu sei que errei. Errei feio com você, com os meninos. Mas eu mudei. Não vim pedir nada, só quero que você saiba que eu vejo o homem que eu deveria ter sido.” Rosário o encarou, o coração batendo em um misto de incredulidade e memória. A jukebox tocava “É a saudade que me diz / Que ainda é tempo pra viver feliz”, e ela sentiu algo que não esperava: não era mais raiva, nem mágoa, mas uma estranha familiaridade. Teobaldo, torto do seu jeito, sempre fora o homem que mexera com seu coração. Apesar de tudo – dos anos de abandono, das noites de choro, da solidão de criar Renato, Cassiano e Rodrigo sozinha –, havia algo nele que ainda a fazia lembrar do amor que um dia a cegara. Mas agora, aos 56 anos, Rosário não era mais a jovem iludida. Era uma mulher forte, moldada pelas dores e pelas vitórias, pelos netos que corriam em sua casa, pelos filhos que a enchiam de orgulho.
   “Teobaldo,” disse ela, a voz firme, mas sem veneno, “você nunca foi meu homem, mas foi o pai dos meus filhos. Se você mudou, que bom. Mas agora é comigo que você tá falando, não com a Rosário de vinte anos atrás. Se quiser ser parte dessa família, vai ter que provar, dia após dia.” Ele assentiu, os olhos marejados, sabendo que não havia atalhos para reconquistar o que jogara fora. Mariana, que observava de outra mesa ao lado de Reginaldo, Aninha e Teodoro, agora um homem feito de 34 anos e sambista como o avô postiço José, aproximou-se e pôs a mão no ombro de Rosário. “Você é grande, comadre,” sussurrou ela. “Faça o que teu coração mandar, mas não esquece quem tu é agora.” Reginaldo, que crescera com a dor de Rosário como uma sombra, apenas sorriu, um gesto de apoio silencioso. Ele sabia o que era se reinventar, e talvez, só talvez, Teobaldo pudesse fazer o mesmo.
   A jukebox seguia tocando, e Zeca e Beth cantavam sobre acalanto e pranto, sobre não deixar nada para depois. Rosário, olhando para Teobaldo, sentia que o futuro era incerto, mas pela primeira vez em anos, não tinha medo. Seus filhos, seus netos, o legado de José Pinheiro e o samba que nunca se calava no morro eram sua força. Será que Teobaldo se daria essa chance de redenção? Será que Rosário se permitiria confiar novamente? O morro, com sua sabedoria antiga, parecia dizer que ainda havia tempo – tempo para rir, para chorar, para viver feliz. E, enquanto a música ecoava, Rosário brindou com uma cerveja, decidida a escrever o próximo capítulo com a coragem, a qual encheria de orgulho seu velho pai, José Pinheiro, que certamente a olhava do céu.

"Eu não sei se ela fez feitiço
 Macumba ou coisa assim
 Eu só sei que eu estou bem com ela
 E a vida é melhor pra mim
 Eu deixei de ser pé-de-cana
 Eu deixei de ser vagabundo
 Aumentei minha fé em Cristo
 Sou bem-quisto por todo mundo
 Eu deixei de ser pé-de-cana
 Eu deixei de ser vagabundo
 Aumentei minha fé em Cristo
 Sou bem-quisto por todo mundo
 Na hora de trabalhar
 Levanto sem reclamar
 E antes do galo cantar já vou
 À noite volto pro lar
 Pra tomar banho e jantar
 Só tomo uma no bar
 Bastou
 Provei pra você que eu não sou mais disso
 Não perco mais o meu compromisso
 Não perco mais uma noite à toa
 Não traio e nem troco a minha patroa
 Provei pra você que eu não sou mais disso
 Não perco mais o meu compromisso
 Não perco mais uma noite à toa
 Não traio e nem troco a minha patroa
( Não sou mais disto - Zeca Pagodinho - 1998 )
   Em 2036, o Morro da Conceição vibrava com a energia de sempre, mas com um toque de milagre que só o samba e o tempo poderiam trazer. No Bar do Heleninho, a jukebox digital, orgulho do filho do velho português, tocava em alto e bom som “Não Sou Mais Disso”, de Zeca Pagodinho, com sua batida alegre e versos cheios de redenção: “Eu deixei de ser pé-de-cana / Eu deixei de ser vagabundo / Aumentei minha fé em Cristo / Sou bem-quisto por todo mundo”. A música parecia escrita para Teobaldo, agora com 59 anos, que, contra todas as expectativas do morro, voltara transformado, como se os deuses do samba tivessem decidido lhe dar uma nova chance.
  Rosário, aos 56 anos, sentada à mesa do bar com uma Brahma gelada, olhava para Teobaldo com uma mistura de admiração e desconfiança. Ele não era mais o cafajeste de outrora, com o sorriso arrogante e as promessas quebradas. O Teobaldo que estava ali, ajudando Heleninho a servir as mesas, rindo com os velhos amigos e até dançando um pouco ao som de Zeca, era um homem diferente. Ele havia se acertado com a vida: encontrara fé, parara de beber além da conta, trabalhava como motorista de aplicativo e, numa reviravolta que arrancou risadas do morro inteiro, finalmente registrara os 15 filhos que deixara espalhados pelas ladeiras ao longo dos anos. “Quinze, Rosário! O homem tá pagando pensão até 2050!”, brincou Antenor Risadinha, agora um senhor de cabelos brancos, mas com o mesmo humor de sempre.
 Rosário, que passara anos carregando o peso de um amor tóxico, sentia algo novo ao olhar para Teobaldo. “Eu não sei se ela fez feitiço / Macumba ou coisa assim / Eu só sei que eu estou bem com ela / E a vida é melhor pra mim”, cantava Zeca, e Teobaldo, com um olhar sincero, parecia dizer o mesmo. Ele se aproximou da mesa dela, tirando o chapéu que agora usava com um certo orgulho. “Rosário, eu sei que não apago o passado. Mas tô tentando ser o homem que eu deveria ter sido pros nossos meninos, pra você. Se me deixar, quero te mostrar que não sou mais disso.” Ela sorriu, ainda cautelosa, mas com uma centelha de esperança. “Teobaldo, você tá no caminho. Mas não é feitiço que vai te segurar, é tua atitude. Continua assim, e a gente conversa.” No bar, a roda estava completa. Renato, agora com 34 anos, administrava projetos na Light e trazia os filhos, Reginaldo e Dulce, para brincar no colo da avó Rosário. Cassiano, aos 32, de volta de São Paulo com seu parceiro Rodrigo, contava histórias dos palcos que conquistara. E Rodrigo, o caçula, aos 30, chegava com Elizângela, sua esposa passista, que já ensaiava para o próximo Carnaval. Mariana, aos 68, ria com Aninha e Teodoro, que, aos 34, tocava o surdo no bloco do morro, mantendo vivo o legado de José Pinheiro. “Olha só, comadre,” disse Mariana, apontando para Teobaldo, que servia cerveja com um sorriso humilde. “Quem diria que o cafajeste ia virar herdeiro do saudoso Zé Pinheiro? Acho que nem ele! Hahahahá! O morro tá de prova!"
    A jukebox seguia cantando, e o Morro da Conceição, com suas ladeiras tortuosas e sua música eterna, celebrava uma redenção improvável. Teobaldo, com seus erros reconhecidos e sua fé renovada, parecia, a seu jeito torto, carregar o espírito de José Pinheiro – não como sambista, mas como um homem que aprendera, tarde demais, o valor do amor e da responsabilidade. Rosário, olhando para ele, para seus filhos e netos, sentia que o samba, mais uma vez, acertara as contas com a vida. “Provei pra você que eu não sou mais disso / Não perco mais o meu compromisso”, dizia a canção, e o morro, entre risadas e cervejas, brindava ao fim de um drama e ao começo de uma nova história.
Fim.

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