Sambas da Vida! As histórias do Morro da Conceição e de sua gente! 7º ato - Rosário dá um basta para Teobaldo.
"Basta de clamares inocência
Eu sei todo o mal que a mim você fez
Você desconhece consciência
Só deseja o mal a quem o bem te fez
Basta, não ajoelhes, vá embora
Se estás arrependido, vê se chora
Basta de clamares inocência
Eu sei todo o mal que a mim você fez
Você desconhece consciência
Só deseja o mal a quem o bem te fez
Basta, não ajoelhes, vá embora
Se estás arrependido, vê se chora
Quando você partiu, me disse: chora
Não chorei
Caprichosamente fui esquecendo que te amei
Hoje me encontras tão alegre e diferente
Jesus não castiga um filho que está inocente
Basta, não ajoelhes, vá embora
Se estás arrependido, vê se chora
Basta, não ajoelhes, vá embora
Se estás arrependido, vê se chora"
( Basta de Clamares Inocência - Cartola - 1979 )
O Morro da Conceição, em 2026, ainda pulsava com a energia de suas ladeiras, e o Bar do Helênico, agora sob o
comando de Heleninho, era o cenário de uma despedida e de um recomeço. A missa de sétimo dia de José
Pinheiro, celebrada na igrejinha do morro, reunira amigos, familiares e sambistas, todos honrando a memória do
homem que fora um farol para tantos. Após a cerimônia, como era desejo de José, a tristeza deu lugar a uma roda
de churrasco e cerveja, organizada por Reginaldo, que, aos 36 anos, assumira o papel de anfitrião com a
naturalidade de quem aprendera com o próprio José a transformar luto em celebração. “Era o que seu José queria,”
dizia Mariana, aos 62 anos, com um sorriso saudoso, enquanto servia mais uma rodada de Brahma gelada. “Ele
sempre dizia: ‘Quando eu for, nada de choro, só samba e cerveja!' "
A jukebox digitalizada, fiel ao espírito do morro, tocava “Basta de Clamares Inocência”, de Cartola, na voz
inconfundível de Elis Regina. A canção, gravada em 1979 como um presente do Mestre do Morro à maior intérprete
de sua geração, parecia um grito de liberdade, um hino para quem, como Rosário, finalmente decidia romper as
correntes de um amor tóxico. “Basta, não ajoelhes, vá embora / Se estás arrependido, vê se chora”, cantava Elis, e
cada verso ecoava no coração de Rosário, que, aos 46 anos, caminhava para um acerto de contas com seu passado.
Teobaldo aparecera no churrasco, como sempre fazia, com o mesmo charme desgastado e o sorriso que já não
enganava ninguém. Ele tentou se aproximar de Rosário, com palavras mansas e promessas que ela conhecia de cor.
Mas algo havia mudado. A morte de José, o exemplo dos filhos – Renato, Cassiano e Rodrigo, agora homens de
bem – e o peso de quase duas décadas de ilusões fizeram Rosário enxergar com clareza. Sob o som de Elis, ela o
encarou, os olhos firmes, e disse, com uma voz que misturava cansaço e resolução: “Teobaldo, seja ao menos meu
amigo, porque meu homem você nunca foi.” As palavras saíram como uma libertação, um eco dos versos de
Cartola: “Hoje me encontras tão alegre e diferente / Jesus não castiga um filho que está inocente”
Teobaldo, pela primeira vez, não teve resposta. Talvez, no fundo de sua alma calejada, ele reconhecesse a verdade:
sua natureza tóxica, que por tanto tempo prendera Rosário, não tinha mais poder sobre ela. Ele baixou o olhar,
murmurou um “tá bom, Rosário” e se afastou, desaparecendo nas ladeiras do morro como tantas vezes fizera antes.
Mas, dessa vez, era diferente. Era um adeus definitivo, não por ódio, mas por uma escolha de Rosário de moldar seu
futuro sem ele
Rosário ficou ali, entre os amigos, a família e o samba, sentindo o peso de anos começar a se dissipar. Mariana, que
observava de longe, aproximou-se e abraçou a amiga. “Tu fez o certo, Rosário. Teu pai tá sorrindo lá de cima. Agora
é tua vez de viver.” Rosário, com lágrimas nos olhos, mas um sorriso tímido, assentiu. Seus filhos, que brindavam a vida e a saudade de José Pinheiro com Teodoro e outros jovens do morro, eram sua âncora, sua prova de que, apesar dos erros, ela construíra algo
valioso. Reginaldo, ao lado de Aninha, ergueu um copo em sua direção, um gesto silencioso de apoio. Ele, mais que
ninguém, entendia o que era se libertar de um passado que machuca.
A jukebox seguia tocando, e a voz de Elis parecia selar aquele momento de ruptura e esperança. Mas a história,
como o morro, nunca para de girar. Será que Teobaldo, em algum canto do Rio, encontraria um caminho para se
redimir, para enfrentar a própria natureza e buscar uma nova chance? Improvável, mas não impossível – o morro já
vira milagres menores. E Rosário, agora livre, se deixaria levar novamente por um amor que a diminuísse? Tudo
indicava que não. Com os filhos como sua força, o legado de José como guia e o samba como bússola, Rosário
parecia pronta para escrever um novo capítulo, um onde ela, finalmente, seria a protagonista.
O drama, conduzido pela obra imortal de Cartola e de outros bambas, se aproxima de seu fim – ou talvez a um novo começo. O Morro da
Conceição, com suas ladeiras, seus sambas e suas dores, despedia-se de José Pinheiro, mas acolhia Rosário em sua
nova jornada. “Basta, não ajoelhes, vá embora”, cantava Elis, e Rosário, pela primeira vez em anos, sentia que o
futuro era seu para moldar.
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