Manoel, o ser de luz. Segundo Capítulo: A saudade dos amiguinhos e o surgimento da constelação do amor.
Alguns dias após a morte e ascensão de Manoel ao céu, como uma estrela, o calçadão estava calmo, com a brisa do mar soprando suave. O casal, que adotara Biriba e Bituca com tanto carinho, ficou surpreso ao ver os dois animais romperem seus laços — Biriba saltando dos braços da dona, Clarice, Bituca puxando a guia até se soltar, surpreendendo Thiago
. Eles correram, sem hesitar, até a areia, parando exatamente onde Manoel havia exalado seu último suspiro. Biriba, com seu pelo cinza agora brilhante, sentou-se com os olhos fixos no céu, enquanto Bituca, o cão de orelhas tortas, deitou-se, o focinho encostado na areia, como se farejasse a memória de seu velho companheiro. Por longos minutos, os dois permaneceram ali, quietos, alheios ao chamado do casal, como se o tempo tivesse parado para honrar Manoel.
O casal, confuso, mas tocado por algo que não explicava, observava em silêncio. A mulher enxugou uma lágrima, sentindo, sem saber por quê, que aquele momento era sagrado. O homem, segurando a guia vazia, murmurou: “Eles sabem de algo que a gente não sabe.” E, no céu, uma estrela parecia brilhar mais forte, como se Manoel, em sua forma de luz, reconhecesse o adeus de seus “anjinhos”.
Assad, dentro da garrafa que ainda repousava entre os arbustos, testemunhou a cena. Mesmo preso novamente, ele sentiu uma paz que não conhecia há séculos. Biriba e Bituca, com sua lealdade instintiva, fecharam o ciclo da história de Manoel, provando que o amor verdadeiro, mesmo vindo de seres não humanos, transcende a morte e a indiferença do mundo. E assim, na areia de Ipanema, sob o olhar das estrelas, o conto de Manoel encontrou seu desfecho — um adeus silencioso, mas cheio de significado, que ecoaria na memória de quem quer que visse aquela cena.
Na areia de Ipanema, sob a luz suave do crepúsculo que tingia o céu de tons dourados e roxos, Biriba e Bituca permaneceram imóveis onde o corpo de Manoel havia repousado pela última vez. O casal que os adotara, ainda perplexo com a fuga repentina dos animais, aproximou-se com cuidado, sem querer quebrar o silêncio daquele momento que parecia carregado de significado. Então, algo extraordinário aconteceu.
Biriba, o gatinho de pelo cinza agora lustroso, ergueu a cabeça, seus olhos verdes fixos em uma estrela que brilhava com um fulgor incomum no céu. Bituca, com as orelhas tortas e o focinho apontado para cima, parecia acompanhar o mesmo ponto luminoso, seu rabo parado, como se estivesse em reverência. A estrela, mais brilhante que as outras, pulsava com uma luz quente, quase como se respondesse ao olhar dos dois animais. Era Manoel, agora parte do firmamento, brilhando para seus “anjinhos” como uma promessa de que nunca os abandonaria por completo.
De repente, Biriba deu um passo à frente e se aninhou contra Bituca, algo que raramente fazia, pois o cão sempre fora mais protetor que carinhoso. Bituca, em resposta, abaixou a cabeça e encostou o focinho no gato, os dois formando um pequeno círculo de afeto na areia. Eles pareciam compartilhar um segredo, uma conexão que ia além da vida nas ruas que um dia dividiram com Manoel. O ronronar baixo de Biriba misturava-se ao suspiro suave de Bituca, e, por um instante, o mundo ao redor pareceu parar.
O casal, parado a poucos metros, sentiu um arrepio. A mulher, com os olhos marejados, segurou a mão do companheiro. “Você já viu algo assim?”, sussurrou ela, a voz embargada. O homem balançou a cabeça, incapaz de desviar o olhar dos animais. “É como se... como se eles estivessem vendo ele. Quem era esse homem que eles amavam tanto?” Eles não sabiam da história de Manoel, mas, naquele momento, sentiram que Biriba e Bituca estavam conectados a algo maior, algo que transcendia a compreensão humana — uma presença, uma luz, um amor que nem a morte pôde apagar. A luz de Manoel, agora uma estrela, brilhava não apenas para Biriba e Bituca, mas como um lembrete de que a bondade, mesmo vinda de um mendigo sem nada, podia tocar corações e mover o próprio céu. E, na areia, os dois animais, aninhados um no outro, pareciam dizer adeus, mas também “até logo”, sabendo que Manoel, em sua forma de luz, estaria sempre com eles.
Anos se passaram desde aquela noite em Ipanema, quando Manoel ascendeu como uma estrela, deixando Biriba e Bituca para trás, mas nunca verdadeiramente separados. O casal que os adotara cuidava deles com um amor que parecia ecoar o carinho que Manoel lhes dera nas ruas. Biriba, o gatinho de pelo cinza e olhos atentos, envelheceu com graça, mas, como a natureza é implacável, chegou seu momento. Numa tarde tranquila, sem aviso ou sofrimento, ele simplesmente parou de respirar, deitado no canto favorito da varanda, aquecido pelo sol.
Naquele instante, uma luz suave envolveu o pequeno corpo de Biriba. Manoel, agora uma figura etérea, materializou-se, seu rosto sereno brilhando com a mesma bondade que carregara em vida. Ele tomou o espectro do gatinho no colo, como fazia nas noites frias de Ipanema, e sussurrou algo que apenas Biriba podia ouvir:
— Terminou, amiguinho! Agora, você vai brilhar comigo! Vamos embora.
Bituca, já grisalho e com o andar lento, observava de longe, os olhos castanhos marejados, como se soubesse que seu companheirinho de tantas jornadas havia partido. Ele deitou-se ao lado do corpinho inerte de Biriba, soltando um suspiro longo, carregado de saudade. Um gemido longo de saudade era o que o cãozinho soltava em homenagem aos seus dois amigos, agora unidos no céu.
Alguns anos depois, Bituca, agora idoso, sentia o peso da idade em cada respiração. Seus pulmões lutavam, e seus olhos, ainda leais, pareciam buscar algo no horizonte. Numa noite estrelada, enquanto o casal dormia, uma luz familiar brilhou no quintal. Manoel apareceu novamente, agora acompanhado por Biriba, cuja forma espiritual reluzia com a mesma energia sapeca de outrora. Manoel, acompanhado de Biriba, ajoelhou-se ao lado de Bituca, acariciando suas orelhas tortas, e disse com uma voz que era ao mesmo tempo um sussurro e um eco do universo:
— Acabou, meu amigo. Vem conosco.
Bituca ergueu o focinho, como se reconhecesse a voz que o protegera nas ruas. Com um último suspiro, sua energia espiritual se desprendeu, uma luz cálida que se entrelaçou com a de Manoel e Biriba. Juntos, os três ascenderam, formando uma trinca de estrelas no céu de Ipanema, brilhando com uma luz que parecia pulsar em harmonia, um testemunho eterno de sua ligação inquebrável. O casal, ao encontrar Bituca sem vida na manhã seguinte, abraçou-se com lágrimas nos olhos. Eles já haviam chorado por Biriba, mas a partida de Bituca trouxe uma dor misturada com uma estranha paz. Olhando para o céu, a mulher apontou para as três estrelas que pareciam brilhar mais forte, e murmurou: “Eles estão juntos agora.” O homem assentiu, sentindo que, de alguma forma, Manoel, Biriba e Bituca haviam encontrado seu lugar no universo.
Naquele mesmo dia, enquanto Thiago e Clarice ainda enxugavam as lágrimas, algo inesperado aconteceu. Ao abrir o portão da casa, encontraram uma caixa de papelão, deixada ali como por um capricho do destino. Dentro, dois seres fofos os encararam: um gatinho esperto, de olhos brilhantes, que miava com curiosidade, e um cachorrinho chorão, de pelo bagunçado, que parecia implorar por carinho. O casal olhou um para o outro, atônito, e então para o céu, onde as três estrelas ainda pareciam reluzir, mesmo à luz do dia. Era como se Manoel, Biriba e Bituca, em sua nova forma celestial, tivessem enviado um presente — um lembrete de que o amor que compartilharam nas ruas de Ipanema continuaria vivo, passado adiante para novas almas necessitadas de um lar.
Próximo Capítulo: Um novo Manoel, uma nova história.
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