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Mostrando postagens de 2025

Sambas da Vida! As histórias do Morro da Conceição e de sua gente - 5º ato - José Pinheiro molda os filhos de Maria do Rosário.

 "Sorria mais criança, pra não sofrer  Eu vi você criança, no alvorecer  O sol se abrindo aos encantos de uma flor  Realizado é o sonho de um grande amor  Eu embalei, eu embalei  Nos braços meus criança, eu embalei  Eu embalei, eu embalei  Nos braços meus criança, eu embalei  E aprenda as lutas pela vida pra se prevenir  Conheças todas as maldades pra não se iludir  Espalhe amor por onde for, quem sabe amor destrói a dor  Que seja todo seu viver um mundo cheio de prazer  Espalhe amor por onde for, quem sabe amar destrói a dor  Que seja toso seu viver um mundo cheio de prazer  Eu embalei, eu embalei  Nos braços meus, crianças, eu embalei" (Sorriso de Criança - Dona Ivone Lara e Délcio Carvalho - 1979 )     O ano de 2022 trouxe ao Morro da Conceição um ar de renovação, mesmo que as ladeiras continuassem a carregar as marcas do tempo. No Bar do Helênico Português, a jukebox digitalizada, agora u...

Sambas da Vida! As histórias do Morro da Conceição e de sua gente - 4º ato - Maria do Rosário e o peso de suas escolhas. As lições da vida, tendências para um autonomia.

 Não....pra que lamentar  O que aconteceu  era de esperar Se eu lhe dei a mão, foi por me enganar  Foi sem entender  Que o amor não pode haver  Sem compreensão a desunião, tende aparecer  E aí está, o que aconteceu  Você destruiu, o que era seu  Você entrou na minha vida  Usou e abusou fez o que quis  Agora se desespera, dizendo que é infeliz  Não foi surpresa pra mim,  você começou pelo fim  Não me comove o pranto de quem é ruim, e assim  Quam sabe essa mágoa passando  Você venha se redimir  Dos erros que tanto insistiu por prazer  Pra vingar-se de mim  Diz que é carente de amor, então você tem que mudar  Se precisar pode me procurar  Lá.....lá..ia, laiá... .lalaiá....laiá ...Lá....lá...ia.... Se eu lhe dei a mão..." (Tendência - Dona Ivone Lara e Jorge Aragão - 1981)  O Bar do Helênico Português estava em festa, algo raro para as noites quentes do Morro da Conceição em 2004. ...

Sambas da Vida! As histórias do Morro da Conceição e de sua gente. 3º ato - O alvorecer de Reginaldo. A alvorada de um novo amor.

 "Olha como a flor se ascende  Quando o dia amanhece  Minha mágoa se esconde  A esperança aparece  O que me restou da noite  O cansaço, a incerteza  Lá se vão na beleza  Desse lindo alvorecer  Lá se vão na beleza  Desse lindo alvorecer  E esse mar em revolta que canta na areia  Qual a tristeza que trago em minh’alma campeia  Quero solução sim, pois quero cantar  Desfrutar dessa alegria  Que só me faz despertar do meu penar  E esse canto bonito que vem da alvorada  Não é meu grito aflito pela madrugada  Tudo tão suave  Liberdade em cor  O refúgio da alma vencida pelo desamor" (Alvorecer - Dona Ivone Lara e Délcio Carvalho - 1974)    O sol nascente de Niterói banhava o Morro do Barreto com uma luz dourada, e Reginaldo, agora com 23 anos, sentia a brisa da manhã como um sopro de renovação. Dois anos antes, em 2000, ele descera do ônibus vindo do Morro da Conceição, carregando pou...

Sambas da Vida! As histórias do Morro da Conceição e de sua gente. 2º ato - A saudade de Mariana e a virada na vida de Reginaldo.

 "Se bom pra você for  Podes partir, amor  E que sejas feliz  E muito bem feliz  Que Deus e a natureza  As aves nos seus ninhos  As flores pela estrada  Perfumem todos os caminhos  Eu aqui ficarei  Por você rezarei  Todas as tardes  Ao bater  Ave-Maria  Que sejas bem feliz  E leve-me na mente  Que cresçam suas glórias  E minhas lágrimas contentes"  (Que sejas bem feliz - Cartola - 1975)       Dois anos se passaram como um sopro no Morro da Conceição, mas o peso do tempo se fez sentir nos corações de quem ficou. No Bar do Helênico Português, a jukebox, agora ainda mais marcada pelo tempo, canta “Que Sejas Bem Feliz” na voz cristalina de Clara Nunes. As palavras de Cartola enchem o ar, misturando-se ao tilintar de copos e ao murmúrio das conversas. Dona Mariana, 44 anos agora, está sentada numa mesa de canto, o copo de cerveja gelada suando entre suas mãos. Ela olha para o líquido ...

Sambas da Vida! As histórias do Morro da Conceição e de sua gente. 1º Ato: "O Mundo é um Moinho".

 "Ainda é cedo, amor  Mal começastes a conhecer a vida  Já anuncias a hora de partida  Sem saber mesmo o rumo que irás tomar  Preste atenção, querida  Embora eu saiba que estás resolvida  Em cada esquina cai um pouco tua vida  Em pouco tempo não serás mais o que és...  Ouça-me bem, amor Preste atenção, o mundo é um moinho  Vai triturar teus sonhos, tão mesquinho  Vai reduzir as ilusões a pó  Preste atenção, querida  De cada amor, tu herdarás só o cinismo  Quando notares, estás à beira do abismo  Abismo que cavaste com teus pés" ( O Mundo é Moinho - Cartola - 1977)     No Morro da Conceição, o ano 2000 carrega o peso do samba e das escolhas que ecoam como as notas de “O Mundo é um Moinho” na jukebox antiga do Bar do Helênico Português. O ar é quente, misturado com o cheiro de cachaça, feijão cozido e o perfume doce das damas-da-noite que crescem nas encostas. A luz amarelada do bar ilumina rostos con...

Isaquias, o craque - Último Capítulo.

       Mauro, o cearense que cruzara o caminho de Isaquias numa madrugada nas areias de Ipanema, reapareceu em Fortaleza anos depois, como se o destino insistisse em entrelaçar suas histórias. Ele havia deixado o Rio, onde trabalhava como atendente de quiosque, e retornado ao Ceará em busca de novas oportunidades, trazendo consigo o mesmo sorriso aberto e o sotaque que lembrava o Crato. Quando soube que Isaquias, agora uma figura respeitada e patrocinador das categorias de base do Ferroviário, estava de volta à cidade, Mauro não hesitou em procurá-lo. O reencontro aconteceu numa tarde no campo do Ferroviário, onde Isaquias acompanhava um treino das meninas sub-15. Mauro apareceu de surpresa, vestindo uma camisa do clube e segurando uma garrafa d’água, como se o tempo não tivesse passado. Isaquias, ao vê-lo, sentiu o coração acelerar, uma mistura de nostalgia e curiosidade. — Tu por aqui, Mauro? — perguntou, com um sorriso tímido, enxugando o suor da testa. ...

Isaquias, o craque - Cap (7)

      A rescisão do contrato de Reginaldo com o Flamengo veio como um alívio silencioso para Isaquias, mas também com um gosto amargo. A diretoria, habilidosa em proteger a imagem do clube, abafou o caso, evitando que a denúncia de Isaquias desencadeasse uma investigação mais ampla nas categorias de base do futebol brasileiro. A justificativa oficial foi “descumprimento de normas internas”, e Reginaldo desapareceu do radar do Flamengo sem alarde.      Para Isaquias, a saída do zagueiro era uma vitória, mas a falta de uma justiça plena deixou um vazio. Ele carregava a sensação de que o sistema, mais uma vez, protegera os culpados em nome da conveniência. Mesmo assim, com um nó na garganta e enfrentando seus demônios internos, Isaquias seguiu em frente. Nos seis anos seguintes, ele se consolidou como um dos grandes nomes do Flamengo. No meio-campo, sua visão de jogo e habilidade o transformaram em ídolo, com a torcida cantando “O Menino de Ferro do Cr...

Isaquias, o craque - Cap (6)

    Os dias de leveza no Rio, onde Isaquias começava a se reconciliar consigo mesmo, desmoronaram como um castelo de areia diante de uma onda. A chegada de Reginaldo ao Flamengo, anunciado como reforço para a zaga, trouxe de volta o pesadelo que ele tentava enterrar. O zagueiro, com seu sorriso cínico e postura arrogante, parecia uma maldição reencarnada. No primeiro treino, Reginaldo cruzou o campo e, ao passar por Isaquias, sussurrou com veneno:  — Oi, bichinha do Ferrinho!    As palavras acertaram Isaquias como um soco. A cena do sítio em Fortaleza — a violência, a humilhação, o desespero — voltou à sua mente com uma clareza cruel. Ele sentiu o corpo tremer, o ar faltar, enquanto Reginaldo se afastava, rindo como se nada tivesse acontecido. “Justo agora? Desgraçado, desta vez eu te mato!”, pensou Isaquias, a raiva queimando em seu peito. O desejo de vingança se tornou uma obsessão. Ele não conseguia treinar, dormir ou pensar em outra coisa. Matar Regi...

Isaquias, o craque - Cap (5)

   Isaquias continuava sua trajetória no Flamengo, onde cada jogo era uma chance de calar os fantasmas do passado. O trauma do Fortaleza, embora nunca apagado, parecia se aquietar no calor do Rio, onde ele encontrava espaço para respirar. A torcida rubro-negra, exigente e apaixonada, o adotava como seu novo xodó, encantada com sua entrega e talento. Robertinho, o veterano que ele substituíra na estreia, via no garoto um reflexo de sua própria juventude e o incentivava com a generosidade de quem já vivera o auge. Após um treino, enquanto arrumavam os cones, Robertinho deu um sorriso largo. — Vai, garoto, a vaga é tua. Eu termino o Carioca no banco, sem crise. Isaquias, ainda tímido, hesitou antes de deixar escapar a curiosidade que o corroía. — Robertinho? Você e o Fernando... Robertinho soltou uma gargalhada, percebendo o brilho nos olhos de Isaquias. — Ai, ai, percebi no teu olhar, moleque! Sim, eu e o Fernando somos namorados. Tô indo pro Flu pra ficar perto dele....

Isaquias, o craque - Cap (4)

   Isaquias chegou ao Rio em 2026 com o peso do mundo nos ombros, mas também com uma determinação silenciosa. O Flamengo o recebeu como uma joia bruta, e ele se jogou nos treinos como se cada chute, cada  corrida, pudesse apagar as cicatrizes que carregava. No Ninho do Urubu, o CT do clube, ele suava até cair, driblava cones como se fossem fantasmas do passado, e marcava gols que faziam os técnicos sussurrarem: "Esse menino é especial." Aos 19 anos, ele subiu rápido do sub-23 para o elenco principal, e a torcida rubro-negra, sempre faminta por ídolos, logo o adotou. "Zaquias, o matador!" gritavam nas arquibancadas, e ele retribuía com raça e talento, mesmo que, por dentro, ainda lutasse contra o silêncio que o trauma impusera.      O grande teste veio num Fla-Flu no Maracanã, o clássico que para o Rio de Janeiro. Era uma noite quente de 2027, o estádio pulsando com mais de 60 mil vozes, as bandeiras tremulando como um mar vermelho e preto de um lado,...

Isaquias, o craque - Cap (3) - Obs: TEXTO COM CENAS FORTES.

  No sub-20 do Fortaleza, um dos times mais competitivos do Brasil, Isaquias começou a sentir na pele a dureza de se firmar no futebol. No meio-campo, a concorrência era feroz, com outras promessas de craques disputando cada vaga. Muitas vezes, ele ficava no banco ou sequer era relacionado para os jogos. Mas, com a subida rápida de garotos que atingiam a idade limite, as chances começaram a aparecer. Ao assumir a titularidade no sub-20, Isaquias também passou a revezar com o time sub-23. No sub-23, ele se destacava como um camisa 10 promissor, brilhando em várias partidas e mostrando o talento que o levara até ali. Volta e meia, era o craque do jogo, comandando o meio-campo com inteligência e habilidade. Um momento inesquecível veio na semifinal do Brasileirão de Aspirantes, contra o Flamengo. Naquele dia, Isaquias enlouqueceu a defesa rubro-negra, driblando, criando jogadas e fazendo o Castelão explodir de emoção. O Fortaleza venceu por 2 a 0, com os gols nascendo de lanc...

Isaquias, o craque - Cap (2)

  O sol queimava o gramado do estádio Alcides Santos, em Fortaleza, enquanto a torcida do Ferroviário gritava em êxtase. Era a final da Taça Brasil sub-17, e Isaquias, com a camisa 10 nas costas, corria como se o destino da família dependesse de cada drible. Aos 16 anos, ele já era o coração do time, o menino de Crato que transformava a seca da vida em gols. No último minuto, com o placar empatado, ele recebeu a bola na entrada da área, driblou dois zagueiros com a leveza de um dançarino e chutou — a bola voou como uma flecha, explodindo no ângulo do goleiro adversário. O estádio veio abaixo. Isaquias caiu de joelhos, as mãos no rosto, enquanto lágrimas de alívio e orgulho escorriam. O Ferroviário era campeão, e ele, o craque da conquista.   Dias depois, o telefone da casa simples na favela tocou. Era um dirigente do Fortaleza, o Leão do Pici, o gigante da capital. "Isaquias, cê é ouro puro. Queremos você no nosso elenco sub-20, e as luvas são boas o suficiente pra mud...

Isaquias, o craque - Cap (1)

  O sol castigava o Crato com um calor que parecia derreter até as esperanças. A terra rachada, como a pele calejada de Sebastiana, contava histórias de luta e escassez. Na pequena casa de taipa, onde o vento entrava pelas frestas e trazia mais poeira que alívio, Sebastiana, uma mulher de olhos fundos e mãos calejadas, juntava os cacos de uma vida partida ao meio. Severino, seu marido, havia virado as costas para a família, carregando consigo a culpa e a promessa de um recomeço em São Paulo. “Não quero mais cavar terra e fazer filho, Tiana. Não é justo pra nós dois”, dissera ele, com a voz embargada, antes de sumir na estrada poeirenta.  Sebastiana, agora viúva de um marido vivo, segurava as rédeas de quatro filhos com a força de quem não tinha escolha. Isaquias, o filho do meio, de 14 anos, tinha os olhos castanhos cheios de sonhos e uma habilidade rara com a bola nos pés. Era magro, de pernas ligeiras, com um jeito de driblar que parecia dançar com o vento. Ezequiel,...